INEVITÁVEIS DISRITMIAS
Areias e cinzas
fustigam as retinas dos sóis
de ontem;
e as novas auroras
não ensinam suas crias a chorarem
pelos mortos,
havidos - sob o olhar
furtivo da lua e das estrelas
- às sombras
das noites
lamparineiras.
Péricles Alves de Oliveira
*
(intertexto com o poema " Triste sorriso colorido ", de Kathleen Lessa)
AO LEVE CANTO DO VENTO
Tudo roxo:
sem mais sonhos
ou cores.
Roxo:
cor da iminente dor
da perda,
que faz
com que os ipês
[roxos]
- em seus
alucinados amores com
as damas-da-noite -
transcendam
os úteros secos e estéreis
das sombras,
em grávidos e eternizados
momentos.
Péricles Alves de Oliveira
*
(intertexto com " Estação para doze flores ", de Kathleen Lessa)
DO NADA, A CRIAÇÃO
Do nada,
nascem esplêndidas e infidas obras
forjadas por sencientes criadores,
que - ao tempo,
ao espaço
e às possibilidades -
escorrem-se líquidos
e posseiros,
até murcharem
com silêncios sem sentidos,
em algum buraco esquecido;
até que não mais
lhes sucedam, por vontades próprias,
mais nenhum auge matinal
ou nenhuma estória
de glórias.
Péricles Alves de Oliveira
(intertexto com "O Tempo Leva o Tempo", de Kathleen Lessa)
NADA ALÉM DA SENCIENTE IMAGINAÇÃO
As causas e as consequências
- conscientes ou não -
são meras epígrafes
que de nada impedem a aberração
criatória do homem;
de olhos fechados
contra as casualidades,
ou a fabricar destinos
a nosso modo e a nosso
aprazer,
velamos as sinceridades
das sombras,
os silêncios dos pré-históricos
tempos e destempos sem
lembranças;
as afiadas purezas
das pedras, noites e
demais coisas que,
conforme existam por
e para nós,
não manifestam
- por si -
a marginal condição dos caminhos
aos quais nos dizemos
viver e ser.
Péricles Alves de Oliveira
(intertexto com "Dias e Tempo (IV)", de Kathleen Lessa)
CHUVAS AO SOL*
O mar vivo
é esplendidamente sensual
com suas nódoas azuis
à superfície,
mas costuma
nos deixar um amargo
sabor de sal
à boca;
as estrelas
são magnificamente belas,
mas, como estão muito
distantes,
costumam
nos deixar um doloroso
sabor de ausência
ao peito;
as mariposas,
pelo menos, estão ao alcance das mãos,
mas elas preferem morrer
incautas,
tentando foder
com as fluorescências das lâmpadas,
deixando-nos um sabor de vazio
à alma.
Por isso é que,
nestas úmidas abstrações de tudo,
tentei ser alquimista
de verbos;
esvaindo-me
no grande fracasso de transformar
sombra e pedras, em sublimes
e transcendentes
versos.
Péricles Alves de Oliveira
*(interação com o poema "Obstinação", de Kathleen Lessa)