Tô cum a duença do amô.
É uma virose danada
Com uma febre lascada
Que me deixa abafada
Sem sabê se é uma dô...
Dá um frio nas espinha
Dá uma farta de ar
Dá uns gostoso na idéia
Dá um tremô nos oiá
Dá tudo que tem que dá...
Bicho danado de bão
Que me faz enlouquecê
Dá vontade de gritá
Dá também de se abraçá
Dá tudo que tem que dá...
Dá beijos de se fartá
Dá cheiro de agoniá
Dá piscadelas no oiá
Que só farta me matá
Cum esfregas de arripiá
Dá tudo que tem que dá...
Dá uns fungado na nuca
Que me deixa na sinuca
Querendo me aliviá
Dá um suado no peito
Dá uma crença na idéia
Dá tudo que tem que dá...
Que indecença danada
Que estô aqui pra contá
Num há remedio que tome
Pra podê me acalmá
Querendo me aliviá
Dessa duença fatá
Que tudo tem pra me dá...
Num quero mais me curá
Nem remédio vou tomá
Nem quero desabafá
Quero vivê com a agonia
Que só o amô póde dá...
Com feriado prolongado, ontem, dia 5, foi, efetivamente, o primeiro dia deste ano de 2009. Trabalho, comércio, trânsito, tudo engrenou aqui em São Paulo. A cidade voltou a ter barulho e corre-corre.
Passou Natal, Ano Novo, essas datas que me fazem perder o prumo, entre indignada e comovida, alegre e triste, querendo pessoas ao meu lado e também solidão... sentimentos difusos.
Nessa época me desentendo.
Sinto-me eu e outra pessoa dentro de um mesmo corpo.
Sabemos que nada muda só porque se abre o calendário de um novo ano, que é ilógico, irracional, besta mesmo pensar diferente.
Mesmo assim, deixo-me levar por lembranças que me trazem saudade... a árvore de natal, natural, pinheirinho cheirando à tuia; as rabanadas sobre a mesa, regadas com vinho do Porto, preparadas por minha avó; meu avô subindo para o quarto alguns minutinhos antes da virada do ano e exatamente à meia-noite disparando um tiro de revólver para o alto, saudando o Ano Novo! Bumm!! Fora dada a partida. Ano deflagrado!
Todo mundo comemorava.
Ninguém pensava em bala perdida naquele tempo...
A tradicional corrida de São Silvestre era à noite e terminava quase no último minuto do Ano Velho.
Havia também, durante alguns anos, a corrida de bebês,
que engatinhavam sobre um tapete vermelho até uma faixa do ano correspondente. Quem primeiro chegasse era coroado como Ano Novo, com direito à coroa e manto!
Hoje é Dia de Reis, a Epifania.
Essa data eu gosto de comemorar. Acho-a simpática.
Imagino Baltazar, Belchior e Gaspar trazendo ouro, incenso e mirra para o Menino-Deus, guiados pela Vésper diamantina.
Cada mago era de uma etnia, representando as raças negra, branca e moura.
Se posso, é o dia em que gosto de presentear alguém querido com balas, flores, bombons, um cartão, incenso, algum mimo simples. Ritual.
Em determinados países da Europa é comum a troca de presentes nesta data e não no Natal.
Na Itália é o Dia da Befana, uma bruxa boa que dá presentes e doces às crianças (um desdobramento do velho Noel? Talvez...)
Gosto de imaginar o ano começando nesta data.
Seis de janeiro marca também a data de noivado de meus pais, em 1948, e comemorado até hoje, ano após ano.
Bonito isso, não?
Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
a outra o ato,
– quem toma uma por outra
confunde e mente.
(Affonso Romano de Sant'Anna)
Como é difícil aos poetas externarem as impressões que lhes vão à alma, marcam o corpo, ocupam suas retinas, seus sentidos, os sentimentos. Nem sempre a palavra se ajusta como uma luva ao que se quer expressar. Esbarra-se nos limites da linguagem, desconstrói-se a gramática, neologismos surgem, usa-se a licença poética e...nem mesmo assim... Na maioria das vezes é como num passatempo de palavras-cruzadas: nos espaços estabelecidos só serve aquela palavra "x", para que haja perfeito cruzamento com as demais. Na poesia dá-se o mesmo.
Drummond escreveu (sempre ele!):
Lutar com palavras é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse,
teria poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
(trecho do poema "O Lutador")