Kaleidoscópio Literário
a expressão de Kathleen Lessa
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Meu Diário
17/09/2010 17h30
AS PALAVRAS (José Saramago)
As palavras são boas. As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpas. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes.
Algumas palavras sugam-nos, não nos largam... As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras. E há os discursos, que são palavras encostadas umas às outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao prego final do disse ou tenho dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de veludo. São brindes, orações, e conferências. Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por essa via entram na imortalidade do Verbo. E as palavras escorrem tão fluidas como o "precioso líquido". Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço.
É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos, envoltos também num murmúrio manso, represo e conciliador... E tudo isso atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares. Porque as palavras deixaram de comunicar.
Cada palavra é dita para que se não ouça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra.
A palavra disfarça. Daí que seja urgente moldar as palavras para que a sementeira se mude em seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do ato. Há também o silêncio.
O silêncio, por definição, é o que não se ouve.
O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa.
O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar.
Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras.
As palavras boas e as más. O trigo e o joio. Mas só o trigo dá pão.

José Saramago

foto: Gaivotas na praia de Leça (PT)__Google
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 17/09/2010 às 17h30
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12/09/2010 13h10
A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA (Mario Vargas Llosa)

 
Em feiras de livros ou mesmo livrarias, frequentemente alguém se aproxima pedindo-me autógrafo. "É para minha mulher, filha ou mãe", explica. "Ela adora ler!" De pronto pergunto: "E o senhor? Não gosta de ler?" E a resposta é quase sempre a mesma: "Gosto, mas sou muito ocupado."
Já ouvi essa explicação dezenas de vezes. Esse homem - e milhares outros como ele - tem tantos afazeres importantes, tantas obrigações e responsabilidades, que não pode perder seu precioso tempo mergulhado num romance.

Segundo esse raciocínio, a literatura seria uma atividade dispensável, uma diversão que somente pessoas com muito tempo livre poderiam se permitir.
Gostaria de apresentar alguns argumentos contra a idéia da literatura como passatempo e em prol de considerá-la, além de uma das ocupações mais estimulantes e enriquecedoras do espírito humano, uma atividade insubstituível para a formação de cidadãos na sociedade moderna e democrática. Por essa razão, ela deveria ser semeada nas famílias desde a infância e fazer parte de todos os programas educacionais.
Vivemos numa era de especialização em virtude do extraordinário desenvolvimento da ciência e da tecnologia, e da conseqüente fragmentação do conhecimento em incontáveis avenidas e compartimentos.
A especialização traz benefícios. Possibilita pesquisa e experimentos, e é a força motriz do progresso. Mas também destrói os denominadores comuns culturais que permitem a coexistência, a comunicação e a solidariedade. E leva à separação dos seres humanos em guetos culturais de especialistas, confinados - pela linguagem, por códigos de conduta e pelo conhecimento particularizado - a uma especificidade contra a qual um antigo provérbio já nos advertia: não se concentre tanto na folha, a ponto de esquecer que ela é parte da árvore e esta, da floresta.
Em grande medida, a noção da existência dessa floresta depende do senso de conjunto que une a sociedade e não a deixa se desintegrar numa centena de especificidades. A ciência e a tecnologia, portanto, já não podem desempenhar esse papel unificador da cultura.
A literatura, por sua vez, foi e, enquanto existir, continuará sendo um denominador comum da experiência humana. Aqueles de nós que leram Cervantes, Shakespeare, Dante ou Tolstoi entendem uns aos outros e se sentem indivíduos da mesma espécie porque, nas obras desses escritores, aprenderam o que partilhamos com seres humanos, independentemente de posição social, geografia, situação financeira e período histórico.
Nada nos protege melhor da estupidez do preconceito, do racismo, da xenofobia, do sectarismo religioso ou político e do nacionalismo excludente do que esta verdade que sempre surge na grande literatura: todos são essencialmente iguais. Nada nos ensina melhor do que os bons romances a ver nas diferenças étnicas e culturais a riqueza do legado humano e a estimá-las como manifestação da multifacetada criatividade humana.
Ler boa literatura é ainda aprender o que e como somos - em toda a nossa humanidade, com nossas ações, nossos sonhos e nossos fantasmas -, tanto no espaço público como na privacidade de nossa consciência. Esse conhecimento se encontra apenas na literatura. Nem mesmo os outros ramos das ciências humanas - a filosofia, a história ou as artes - conseguiram preservar essa visão integradora e um discurso acessível ao leigo, pois também eles sucumbiram ao domínio da especialização.
O elo fraternal que a literatura estabelece entre os seres humanos transcende todas as barreiras temporais. A sensação de ser parte da experiência coletiva através do tempo e do espaço é a maior conquista da cultura, e nada contribui mais para renová-la a cada geração do que a literatura.
O que a literatura deu à humanidade, então?
Um de seus primeiros efeitos benéficos ocorre no plano da linguagem. Uma sociedade sem literatura escrita se exprime com menos precisão, riqueza de nuances, clareza, correção e profundidade do que a que cultivou os textos literários.
Uma humanidade sem romances seria muito parecida com uma comunidade de gagos e afásicos. Isso também vale para o indivíduo. As pessoas que nunca lê, lê pouco ou lê apenas lixo pode falar muito, mas vai sem dizer pouco, porque dispõe de um repertório mínimo de palavras para se expressar.
Não se trata de uma limitação somente verbal, mas também intelectual, uma indigência de idéias e conhecimento, porque os conceitos pelos quais assimilamos a realidade não são dissociados das palavras que nossa consciência usa para reconhecê-los e defini-los.
Nenhuma disciplina substitui a literatura na formação da linguagem. O conhecimento transmitido por manuais técnicos e tratados científicos é fundamental, mas eles não nos ensinam a nos exprimir corretamente. Ao contrário, com freqüência são mal escritos porque os autores, às vezes expoentes indiscutíveis em sua profissão, não sabem transmitir seus tesouros conceituais.
Outro motivo para se conferir à literatura um lugar de destaque na vida das nações é que, sem ela, a mente crítica - verdadeiro motor das mudanças históricas e melhor escudo da liberdade - sofreria uma perda irreparável. Porque toda boa literatura é um questionamento radical do mundo em que vivemos. Qualquer texto literário de valor transpira uma atitude rebelde, insubmissa, provocadora e inconformista.
A literatura apazigua essa insatisfação existencial apenas por um momento, mas nesse instante milagroso, nessa suspensão temporária da vida, somos diferentes: mais ricos, mais felizes, mais intensos, mais complexos e mais lúcidos. A literatura nos permite viver num mundo onde as regras inflexíveis da vida real podem ser quebradas, onde nos libertamos do cárcere do tempo e do espaço, onde podemos cometer excessos sem castigo e desfrutar de uma soberania sem limites. Como não nos sentirmos enganados depois de ler "Guerra e Paz" ou "Em Busca do Tempo Perdido" e voltar a este mundo de detalhes insignificantes, obstáculos, limitações, barreiras e proibições que nos espreitam de todo canto e em cada esquina corrompem nossas ilusões?
Quer dizer, a vida imaginada dos romances é melhor: mais bonita e diversa, mais compreensível e perfeita. Talvez seja esta a maior contribuição da literatura ao progresso: lembrar que o mundo é malfeito, e que poderia ser melhor, mais parecido com o que a imaginação é capaz de criar.
A sociedade livre e democrática requer cidadãos responsáveis, críticos, independentes, difíceis de manipular, em constante efervescência espiritual e cientes da necessidade de examinar continuamente o mundo em que vivemos, para tentar aproximá-lo do mundo em que gostaríamos de viver.
Sem insatisfação e rebeldia, ainda viveríamos em estado primitivo, a história teria parado, o indivíduo não teria nascido, a ciência não teria alçado vôo, os direitos humanos não teriam sido reconhecidos e a liberdade não existiria. Tudo isso nasce dos atos de desafio a uma vida que se mostra insuficiente ou intolerável. Para esse espírito que despreza a vida como ela é - e, com a insensatez de Dom Quixote, tenta tornar o sonho realidade -, a literatura serve de magnífica espora. A verdade é que o desenvolvimento da mídia audiovisual - que ao mesmo tempo que revoluciona as comunicações monopoliza cada vez mais o tempo que dedicamos ao lazer, relegando a leitura a segundo plano - permite-nos imaginar para um futuro próximo uma sociedade moderníssima, repleta de computadores, telas e microfones, mas sem livros.
Temo que esse mundo cibernético seja profundamente incivilizado, sem espírito, apático - uma resignada humanidade de robôs.
Evidentemente , é muito improvável que essa terrível perspectiva venha algum dia a se concretizar. Não existe um destino que decida por nós o que vamos ser. Depende de nosso discernimento e de nossa vontade que essa utopia macabra se realize ou se apague.
Se queremos evitar o desaparecimento dos romances - ou sua restrição ao sótão dos objetos inúteis - e com isso o desaparecimento da própria fonte que estimula a imaginação e a insatisfação, que refina nossa sensibilidade e nos ensina a falar com eloqüência e precisão, que nos torna livres e nos garante uma vida mais rica e intensa, então devemos agir. Precisamos ler bons livros e incitar à leitura os que vêm depois de nós.

(*) texto na revista Seleções Reader's Digest, março/2003
 Mario Vargas Llosa é um escritor peruano.
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 12/09/2010 às 13h10
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08/08/2010 00h10
Poemas de EMILY DICKINSON

1.

"Alguns guardam o Domingo indo à Igreja
Eu o guardo ficando em casa
Tendo um Sabiá como cantor
E um Pomar por Santuário.

Alguns guardam o Domingo em vestes brancas
Mas eu só uso minhas Asas
E ao invés do repicar dos sinos na Igreja
Nosso pássaro canta na palmeira.

É Deus que está pregando, pregador admirável
E o seu sermão é sempre curto.

Assim, ao invés de chegar ao Céu, só no final
Eu o encontro o tempo todo no quintal."


2.

"Nossa quota da noite suportar –
Nossa quota da aurora –
Nosso vazio em glória preencher
Nosso vazio desprezando
 
Aqui uma estrela, e ali uma estrela,
Alguma perdeu seu guia!
Aqui uma névoa, e ali uma névoa,
Em seguida – Dia!"


(Emily Dickinson, EUA,  1830-1886)
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 08/08/2010 às 00h10
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08/08/2010 00h00
Poemas de RILKE

Os Poetas se têm Disseminado


Os poetas se te têm disseminado
(tempestade através das linhagens de todos),
mas eu quero de novo interpelar-te
no vaso que te dá tanta alegria.
Andei errante por diversos ventos;
mil vezes eras tu que me empurravas.
Tudo que encontro, eu trago;
como taça, de ti faz uso o cego;
bem fundo te escondera a criadagem
mas o mendigo te mantém na altura,
e muitas vezes junto a uma criança
boa parte de teu sentido estava...
Bem vês que eu sou alguém que anda à procura.
Alguém que atrás das mãos
anda escondido e assim feito um pastor.
(Tu podes esse olhar, que o enraivece
- o olhar dos outros - dele desviar.)
Há um que sonha coroar-te a ti
e acabará coroando a si mesmo.


Deus, que será de ti? 
 
Deus, que será de ti, quando eu morrer? 
Eu sou teu cântaro ( e se me romper? )
A tua água ( e se me corromper? )
Sou teu agasalho, sou teu afazer.
Vai comigo o significado teu.
Não tens mais sem mim aquela casa, Deus,
Que com quentes palavras te acolhia.
Perdem teus pés exaustos as macias sandálias:
Também elas eram eu.
De ti desprende-se o teu longo manto.
O teu olhar, que a minha face, quente
coxim acolhe, virá entrementes,
virá procurar-me longamente
e deitar-se depois, ao sol poente,
entre pedras estranhas, nalgum canto.
Deus, que será de ti? 
Tenho medo, tanto! 
 
 
[Rainer Maria Rilke nasceu em Praga no dia 4 de dezembro de 1875 e morreu no dia 29 de dezembro de 1926 em Valmont ]

Publicado por KATHLEEN LESSA
em 08/08/2010 às 00h00
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07/08/2010 23h40
Sobre a relação entre ESCRITOR e LEITOR (Rubem Fonseca)


"Ao escrever solitariamente, o autor deve supor um interlocutor inteligente, culto, atento, que entrará em seu coraçao. O leitor é totalmente livre para imaginar o que ele, o escritor, quis dizer, sem, no entanto, tentar mudar o curso do sangue de suas veias: _ o escritor deve ter até o final o direito de ter seu lirismo pessoal resguardado."

                                                                                     [Rubem Fonseca]
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 07/08/2010 às 23h40
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Página 28 de 40
Os textos da autora têm registro no ISBN. Plágio é crime.