Chegaste
assim de repente,
como uma aquática andorinha
inocente,
e eu disse
para manteres a distância
certa desta laiva
nascente:
agora
é tarde demais:
já bebo o ar que respiras
e aguardo o porvir
momento
da cruciante
dor que virá dos estilhaços
de nossas asas
de vidro.
Péricles Alves de Oliveira
18/01/2015
Meu Deus,
meu Deus, meu Deus!
Nasceu uma flor ao rígido deserto
de minha planície!
Uma flor-fantasia,
uma flor-mar-amar-voar,
uma flor-anilina!
E ela veio todo poesia,
tentando resistir a meu chão,
alagado de ilusões e de
esperanças
vazias!
02/01/2015
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
imagem: arquivo kml
Ela o viu ali,
sentado sozinho à mesa
daquele boteco
vazio,
a tricotar
versos pálidos e imperfeitos
entre um e outro gole
de vinho tinto:
“Se já disse
mil vezes que te amo,
e que sempre fui sua
(somente sua)
porque
me choveu tanto,
como que a não crer
minhas palavras,
como que
a querer tolher a minha
sagrada liberdade,
meu amor!?”
Ele a mirou
nos sorumbáticos olhos,
refletiu por alguns segundos
e mostrou-lhe o avesso
do reflexo:
“Bem, penso que
amar (como ser livre) não é
para qualquer um,
não;
amar e ser livre
é só para os que têm força
e coragem de se estabelecerem
entre desérticos
limites!"
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
*
Para além do niilismo
06/05/2014
O leitor sabe que meu pecado espiritual é o niilismo. Enfrento-o dia a dia como qualquer moléstia incurável. O tema já foi tratado por gênios como Nietzsche, Turguêniev, Dostoiévski, Cioran. Deixo meu leitor em companhia desses gigantes, muito melhores do que eu.
A tragédia também me acompanha em todo café da manhã, essa concepção grega de mundo que julgo a mais correta já pensada. Aqui tenho grandes parceiros como o autor da tragédia ática Sófocles (entre outros), o filósofo Nietzsche, o dramaturgo Shakespeare e os escritores contemporâneos Albert Camus e Philip Roth.
Ambos, niilismo e tragédia, são visões de mundo que arruínam a vida. Diante deles, ateísmo é para iniciantes. O ateísmo só é aceitável quando blasé e sem associações de ateus
militantes. Para niilistas como eu, o ateísmo crente em si mesmo é brincadeira de meninas com fita cor-de-rosa amarrada na cabeça.
Ando de saco cheio do niilismo e da tragédia, apesar de continuar experimentando-os todo dia. Em termos morais, a virtude máxima para ambos é a coragem, e o vício mais a mão, a covardia.
Nos últimos tempos, tenho me interessado por outra virtude, a confiança, essa, tão difícil quanto a coragem, uma vez tomada a alma pelo niilismo e pela tragédia. É sobre ela que quero falar nesta segunda-feira, dia normalmente difícil, acompanhado do "bode" do domingo e da monotonia do dia a dia que recomeça imerso num sono que nunca descansa, porque sempre atormentado pela dúvida com relação ao amor, à família, ao trabalho e à viabilidade do futuro.
Meu maior pecado como escritor é jamais enganar, jamais querer agradar. Essa é minha forma de prestar respeito a quem me lê semanalmente. O caráter de alguém que escreve é medido pela ausência de desejo de agradar a quem o lê.
Amar cães e confiar neles é mais fácil do que amar seres humanos e confiar neles. Por isso, num mundo atormentado pela dúvida niilista, ainda que em constante denegação dela, tanta gente se lança à defesa melosa de cães e gatos e exige carne de frangos felizes na hora de comer em restaurantes ridículos.
Quero propor a você duas obras. Um filme e um livro que julgo entre os maiores exemplos da arte a serviço da confiança na vida.
O filme "As Damas do Bois de Boulogne", do cineasta francês Robert Bresson, de 1945, é uma pérola sobre a confiança na vida e nos laços afetivos. Bresson é um cineasta muito marcado pelo pensamento do escritor George Bernanos, grande anatomista da alma e especialista em nossa natureza vaidosa, mentirosa e, por isso mesmo, desesperada. Coisa para gente grande, rara hoje em dia, neste mundo governado por adultos infantis.
O filme trata da vingança de uma mulher belíssima contra seu ex-amante (que a abandonou), um homem frívolo e covarde por temperamento. Essa vingança se constitui na aposta de que ele e a mulher que ela "contrata" para sua vingança agirão do modo esperado. Sua intenção é fazer com que seu ex-amante se apaixone por essa mulher "contratada", uma prostituta.
O homem é mantido na ignorância da vida pregressa de sua noiva até depois do casamento. O que a mulher abandonada não contava é que a prostituta se apaixonasse pelo covarde, levando-o a transformação inesperada de caráter.
O amor também é personagem central da obra do dinamarquês Soren Kierkegaard "As Obras do Amor", da Vozes. Esse livro é o texto mais belo que conheço sobre o amor na filosofia ocidental.
Segundo nosso existencialista, o amor tudo crê, mas nunca se ilude porque, assim como a desconfiança e o ceticismo, o amor sabe que o conhecimento não é capaz de nada além do que fundamentar o niilismo, o ceticismo e o desespero.
O amor é um afeto moral, não um ato da razão. A razão não justifica a vida. O amor é uma escolha de investimento na vida, uma atitude, mesmo que a razão prove a falta de sentido último de tudo.
Ingênuos são os niilistas e céticos que consideram a desconfiança um ato livre da vontade. A desconfiança é uma escravidão. A aposta na vida é que mostra o caráter maduro de mulheres e homens.
Boa semana.
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Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, 'Contra um mundo melhor' (Ed. LeYa).
Escreve às segundas-feiras na Folha de São Paulo.
Era uma vez
um anjo que não era humano
– ou uma mulher que
se dizia anjo? –,
carecia de que ovelhas e gatos
sangrando em agonia lhe confiassem
a pureza nata dos que nunca
tiveram má fé,
enquanto era incapaz
de evitar contorcer-se às fantasias,
insânias e paus de vermes
e urubus letrados.
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
03/01/2015
imagem: K. Perry