Kaleidoscópio Literário
a expressão de Kathleen Lessa
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Meu Diário
27/11/2009 18h07
NUNCA TE VI, SEMPRE TE AMEI... (Mª Alice Estrella)


O impacto e a situação apresentadas no filme encontraram eco em mim, na minha história recente.
Talvez na de muitos, se alterarmos o ambiente geográfico, o tempo e o meio de comunicação.
Quem ainda não assistiu ao filme, faça-o.
É bem provável que se reconheça no enredo.


Trago a resenha de Maria Alice Estrella sobre o filme, primorosa!, porque eu não conseguiria retratá-lo melhor que ela.
Película de 1986, dirigida por David Jones, ganhadora de 2 Oscar.



"Nunca te vi, sempre te amei..."

Sou "fã de carteirinha" da sétima arte. Sou alvo dos seus encantos, desde menininha, quando freqüentava os inúmeros cinemas que existiam em Porto Alegre.
Os rolos de celulose, contando histórias através de personagens memoráveis, exercem um fascínio sobre a minha pessoa ...Assistir a um filme, para mim, exige um ritual. O ritual de desligar-me de imagens e sons do cotidiano para mergulhar nas imagens e sons impressos na tela. É um cerimonial onde descubro a arte da vida retratada em movimento e reencontro pedaços da minha própria vida pincelados entre uma cena e outra.Processo de identificação que justifica a arte por si mesma.
 
Minha paixão por cinema é tanta que, muitas vezes, procuro rever filmes a que já assisti. Alguma coisa muito forte deixou marcas e quero sinti-las novamente.
Pois foi uma dessas razões que me fez buscar o filme Nunca te vi, sempre te amei, com desempenhos de Anthony Hopkins e Anne Bancroft.
Nas locadoras de vídeo em que procurei, sai frustrada porque a fita não existia em seus acervos.
Já estava conformada em revirar minhas memórias para buscar o que queria relembrar, quando abri o jornal e me deparei com a programação de uma emissora de televisão, incluindo o filme. Coincidência ou não, encontrei o que buscava.
Assisti ao filme e saboreei cada detalhe, cada gesto, cada palavra, cada emoção com uma apreciação renovada.

Em síntese, o roteiro trata da correspondência mantida entre uma escritora de Nova Iorque e o gerente de uma livraria de Londres, onde se comercializavam livros raros. Simples. Muito simples, já que a história se passa em 1949 e se estende por mais de 20 anos. O meio usado era o correio e os carteiros faziam o trabalho de entrega e recebimento. Coisas em desuso atualmente: selos, envelopes, folhas manuscritas, surpresas palpáveis. O tempo se desenrolava, bem lentamente, entre uma carta e outra, trazendo um saber de expectativa mastigada em suspiros de espera e de ansiedade.

Em um determinado momento, na película, o entrosamente entre os dois é tão declaradamente profundo que eles começam a conversar, olhando para a câmera como se estivessem frente a frente. Na verdade, milhas de terra e mar estavam separando-os fisicamente, mas parecia que desconheciam esse detalhe. Aliás, mero detalhe porque quando encontros verdadeiros acontecem, a distância é condicionamento geográfico de menos importância.
Emocionei-me com a delicadeza da cena, vivida com perfeição por dois grandes atores, que passaram, com a sutileza do preciosismo, a imagem interior de cada personagem, respirando o outro.

Falar sobre isso, hoje, torna-se quase fora de hora. Quase... porque a modernidade trouxe-nos a realidade virtual que permite o correio instantâneo, sem espera de carteiro, sem abertura ansiosa de envelopes. Agora, é só ligar o computador, conectar-se à Internet e abrir com um toque de indicador, a caixa de correspondência eletrônica.
Pronto! A carta impressa na telinha pode ser lida e respondida em minutos.
O melhor de tudo é que esse avanço tecnológico, sinal dos tempos, adapta-se, também à realidade da vida e não a desfigura; transforma-a.
O AMOR continua acontecendo, valendo-se da evolução dos meios e servindo-se deles para unir personagens através das distâncias.
Inúmeras pessoas têm descoberto sua alma gêmea na intincada rede de comunicação e fazem alusão, sem saberem, ao título "Nunca te vi, sempre te amei..."
Algumas delas, ultrapassam a distância e, frente a frente, realizam sua história.
Destino que se cumpriu, alheio aos limites da máquina e atento ao processo da vida. Vida que se repete, como num filme, com os personagens que aceitam o roteiro, quando a palavra de ordem é: AMOR.
E amor, meus caros, é o mesmo sempre, em qualquer tempo ou espaço.

Se você foi premiado com essa descoberta, prepare a mala, a mochila, a esperança e parta em busca do seu presente. Os encontros, nesse nível de profundidade, são raros. 

               Não espere 20 anos, como na história do filme.
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 27/11/2009 às 18h07
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.
 
23/11/2009 17h02
DEMAIN, DÈS L'AUBE... (Victor Hugo)
 
Demain, dès l'aube... (Victor Hugo)
 
 
Demain, dès l'aube, à l'heure où blanchit la campagne,
Je partirai. Vois-tu, je sais que tu m'attends.
J'irai par la forêt, j'irai par la montagne.
Je ne puis demeurer loin de toi plus longtemps.

Je marcherai les yeux fixés sur mes pensées,
Sans rien voir au dehors, sans entendre aucun bruit,
Seul, inconnu, le dos courbé, les mains croisées,
Triste, et le jour pour moi sera comme la nuit.

Je ne regarderai ni l'or du soir qui tombe,
Ni les voiles au loin descendant vers Harfleur,
Et quand j'arriverai, je mettrai sur ta tombe
Un bouquet de houx vert et de bruyère en fleur.
 
 
*image: Alba
 
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 23/11/2009 às 17h02
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31/10/2009 20h10
À MESA (Drummond)
À MESA 


E não gostavas de festa. . .
Ó velho, que festa grande
hoje te faria a gente.
E teus filhos que não bebem
e o que gosta de beber,
em torno da mesa larga,
largavam as tristes dietas,
esqueciam seus tricotes,
e tudo era farra honesta
acabando em confidência.

Ai, velho, ouvirias coisas
de arrepiar teus noventa.
E daí, não te assustávamos,
porque, com riso na boca,
e a média galinha, o vinho
português de boa pinta,
e mais o que alguém faria
de mil coisas naturais
e fartamente poria
em mil terrinas da China,
já logo te insinuávamos
que era tudo brincadeira.

Pois sim. Teu olho cansado,
mas afeito a ler no campo
uma lonjura de léguas,
e na lonjura uma rês
perdida no azul azul,
entrava-nos alma adentro
e via essa lama podre
e com pesar nos fitava
e com ira amaldiçoava
e com doçura perdoava
(perdoar é rito de pais,
quando não seja de amantes).
E, pois, tudo nos perdoando,
por dentro te regalavas
de ter filhos assim. . . Puxa,
grandessíssimos safados,
me saíram bem melhor
que as encomendas. De resto,
filho de peixe. . . Calavas,
com agudo sobrecenho
interrogavas em ti
uma lembrança saudosa
e não de todo remota
e rindo por dentro e vendo
que lançaras uma ponte
dos passos loucos do avô
à incontinência dos netos,
sabendo que toda carne
aspira à degradação,
mas numa via de fogo
e sob um arco sexual,
tossias. Hem, nem, meninos,
não sejam bobos. Meninos?
Uns marmanjos cinqüentões,
calvos, vívidos, usados,
mas resguardando no peito
essa alvura de garoto,
essa fuga para o mato,
essa gula defendida
e o desejo muito simples
de pedir à mãe que cosa,
mais do que nossa camisa,
nossa alma frouxa, rasgada. . .

Ai, grande jantar mineiro
que seria esse. . . Comíamos,
e comer abria fome,
e comida era pretexto.
E nem mesmo precisávamos
ter apetite, que as coisas
deixavam-se espostejar,
e amanhã é que eram elas.
Nunca desdenhe o tutu.
Vá lá mais um torresminho.
E quanto ao peru? Farofa
há de ser acompanhada
de uma boa cachacínha,
não desfazendo em cerveja,
essa grande camarada.
ïnd'outro dia. . . Comer
guarda tamanha importância
que só o prato revele
o melhor, o mais humano
dos seres em sua treva?
Beber é pois tão sagrado
que só bebido meu mano
me desata seu queixume,
abrindo-me sua palma?
Sorver, papar: que comida
mais cheirosa, mais profunda
no seu tronco luso-árabe,
que a todos nos une em um
tal centímano glutão,
parlapatão e bonzão!

E nem falta a irmã que foi
mais cedo que os outros e era
rosa de nome e nascera
em dia tal como o de hoje
para enfeitar tua data.
Seu nome sabe a camélia,
e sendo uma rosa-amélia,
flor muito mais delicada
que qualquer das rosas-rosa,
viveu bem mais do que o nome,
porém no íntimo claustrava
a rosa esparsa. A teu lado,
vê: recobrou-se-lhe o viço.

Aqui sentou-se o mais velho.
Tipo do manso, do sonso,
não servia para padre,
amava casos bandalhos;
depois o tempo fez dele
o que faz de qualquer um;
e à medida que envelhece,
vai estranhamente sendo
retrato teu sem ser tu,
de sorte que se o diviso
de repente, sem anúncio,
és tu que me reapareces
noutro velho de sessenta.

Este outro aqui é doutor,
o bacharel da família,
mas suas letras mais doutas
são as escritas no sangue,
ou sobre a casca das árvores.
Sabe o nome da florzinha
e não esquece o da fruta
mais rara que se prepara
num casamento genético,
Mora nele a nostalgia,
citadino, do ar agreste,
e, camponês, do letrado.
Então vira patriarca.

Mais adiante vês aquele
que de ti herdou a dura
vontade, o duro estoicismo.
Mas, não quis te repetir.
Achou não valer a pena
reproduzir sobre a terra
o que a terra engolirá.
Amou. E ama. E amará.
Só não quer que seu amor
seja uma prisão de dois,
um contrato, entre bocejos
e quatro pés de chinelo.
Feroz a um breve contato,
à segunda vista, seco,
à terceira vista, lhano,
dir-se-ia que ele tem medo
de ser, fatalmente, humano.
Dir-se-ia que ele tem raiva,
mas que mel transcende a raiva,
e que sábios, ardilosos
recursos de se enganar
quanto a si mesmo: exercita
uma força que não sabe
chamar-se, apenas, bondade.
Esta calou-se. Não quis
manter com palavras novas
o colóquio subterrâneo
que num sussurro percorre
a gente mais desatada.
Calou-se, não te aborreças,
Se tanto assim a querias,
algo nela ainda te quer,
à maneira atravessada
que é própria de nosso jeito.
(Não ser feliz tudo explica.)
Bem sei como são penosos
esses lances de família,
e discutir neste instante
seria matar a festa,
matando-te — não se morre
uma só vez, nem de vez.
Restam sempre muitas vidas
para serem consumidas
na razão dos desencontros
de nosso sangue nos corpos
por onde vai dividido.
Ficam sempre muitas mortes
para serem longamente
reencarnadas noutro morto.

Mas estamos todos vivos.
E mais que vivos, alegres.
Estamos todos como éramos
antes de ser, e ninguém
dirá que ficou faltando
algum dos teus. Por exemplo:
ali ao canto da mesa,
não por humilde, talvez
por ser o rei dos vaidosos
e se pelar por incómodas
posições de tipo gauche,
ali me vês tu. Que tal?
Fica tranquilo: trabalho.
Afinal, a boa vida
ficou apenas: a vida
(e nem era assim tão boa
e nem se fez muito má).
Pois ele sou eu. Repara:
tenho todos os defeitos
que não farejei em ti
e nem os tenho que tinhas,
quanto mais as qualidades.
Não importa: sou teu filho
com oser uma negativa
maneira de te afirmar.
Lá que brigamos, brigamos,
opa! que não foi brinquedo,
mas os caminhos do amor,
só amor sabe trilhá-los.
Tão ralo prazer te dei,
nenhum, talvez. . . ou senão,
esperança de prazer,
é, pode ser que te desse
a neutra satisfação
de alguém sentir que seu filho,
de tão inútil, seria
sequer um sujeito ruim.
Não sou um sujeito ruim.
Descansa, se o suspeitavas,
mas não sou lá essas coisas.
Alguns afetos recortam
o meu coração chateado.
Se me chateio? Demais.
Esse é meu mal. Não herdei
de ti essa balda. Bem,
não me olhes tão longo tempo,
que há muitos a ver ainda.

Há oito. E todos minúsculos,
todos frustrados. Que flora
mais triste fomos achar
para ornamento de mesa!
Qual nada. De tão remotos,
de tão puros e esquecidos
no chão que suga e transforma,
são anjos. Que luminosos!
que raios de amor radiam,
e em meio a vagos cristais,
o cristal deles retine,
reverbera a própria sombra.
São anjos que se dignaram
participar do banquete,
alisar o tamborete,
viver vida de menino.
São anjos. E mal sabias
que um mortal devolve a Deus
algo de sua divina
substância aérea e sensível,
se tem um filho e se o perde.
Conta: quatorze na mesa.
Ou trinta? Serão cinquenta,
que sei? Se chegam mais outros,
uma carne cada dia
multiplicada, cruzada
a outras carnes de amor.
São cinquenta pecadores,
se pecado é ter nascido
e provar, entre pecados,
os que nos foram legados.

A procissão de teus netos,
alongando-se em bisnetos,
veio pedir tua bênção
e comer de teu jantar.
Repara um pouquinho nesta,
no queixo, no olhar, no gesto,
e na consciência profunda
e na graça menineira,
e dize, depois de tudo,
se não é, entre meus erros,
uma imprevista verdade.
Esta é minha explicação,
meu verso melhor ou único,
meu tudo enchendo meu nada.

Agora a mesa repleta
está maior do que a casa.
Falamos de boca cheia,
xingamo-nos mutuamente,
rimos, ai, de arrebentar,
esquecemos o respeito
terrível, inibidor,
e toda a alegria nossa,
ressecada em tantos negros
bródios comemorativos
(não convém lembrar agora),
os gestos acumulados
de efusão fraterna, atados
(não convém lembrar agora),
as fína-e-meigas palavras
que ditas naquele tempo ,
teriam mudado a vida
(não convém mudar agora),
vem tudo à mesa e se espalha
qual inédita virtualha.

Oh que ceia mais celeste
e que gozo mais do chão!
Quem preparou? Que inconteste
vocação de sacrifício
pôs a mesa, teve os filhos?
Quem se apagou? Quem pagou
a pena deste trabalho?
Quem foi a mão invisível
que traçou este arabesco
de flor em torno ao pudim,
como se traça uma auréola?
Quem tem auréola? Quem não
a tem, pois que, sendo de ouro,
cuida logo em reparti-la,
e se pensa melhor faz?
Quem senta do lado esquerdo,
assim curvada? Que branca,
mas que branca mais que branca
tarja de cabelos brancos
retira a cor das laranjas,
anula o pó do café,
cassa o brilho aos serafins?
Quem é toda luz e é branca?
Decerto não pressentias
como o branco pode ser
uma tinta mais diversa
da mesma brancura. . . Alvura
elaborada na ausência
de ti, mas ficou perfeita,
concreta, fria, lunar.
Como pode nossa festa
ser de um só que não de dois?
Os dois ora estais reunidos
numa aliança bem maior
que o simples elo da terra.
Estais juntos nesta mesa
de madeira mais de lei
que qualquer lei da república.
Estais acima de nós,
acima deste jantar
para o qual vos convocamos
por muito — enfim — vos querermos
e, amando, nos iludirmos
junto da mesa
vazia.
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 31/10/2009 às 20h10
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06/10/2009 13h12
O AMOR MOVE O MUNDO (M. Medeiros)

                "Loucura disfarçada de sanidade"
 

 
Ele já foi mais badalado. Atualmente, bem menos. Foi trocado pela paixão instantânea, pelo sexo ocasional e pelas fofocas venenosas.
Estou falando do amor, lembra dele?

Pois é, já viveu melhores dias na mídia (menos mau que aqui na REVISTA CLÁUDIA ele tenha cadeira cativa).
Fico me perguntando: o que houve? Creio que hoje em dia, na era dos entusiasmos superficiais, ficou cafona falar em amor. Casais se unem, agora, por desejo, oportunidade ou conveniência. Todos querem se apaixonar amanhã e somar mais um nome ao currículo pessoal de aventuras, mas cultivar um amor para sempre? Nem pensar! O amor, para os desencantados do século 21, deixou de ser fotogênico e inspirador. Já deu os versos que tinha que dar. Quem teria paciência e tempo, hoje, para se dedicar a uma só pessoa? O amor faz sofrer, faz chorar e além disso não rende uma boa história para repartir com as amigas, não vira matéria de segundo caderno, não é encontrado no YouTube.O amor está fora de moda, como se fosse uma ombreira: não se usa mais. Amor, essa palavra outrora tão valorizada, desgastou- se. Sobrevive em campanhas publicitárias de Dia das Mães e olhe lá.
A impressão que dá - e lamento profundamente - é que é um sentimento que só atrapalha. O príncipe Charles e sua Camilla, coitados, sabem do que estou falando. Levaram mais de três décadas para conseguir se unir, enfrentaram reis e súditos, foram alvo de acusações conspiratórias e gozações de todos os chargistas do planeta e até tiveram que pedir desculpas públicas antes de casar, todo esse martírio por quê? Porque estavam em desacordo com os novos tempos. Pagaram todos os pecados por terem insistido em sua love story antiquada. Azar o deles, devem pensar os paparazzi. Quem mandou teimarem nesse amor longevo? Que agora desfrutem o ostracismo.
 
O amor segue valorizado, apenas, no cinema e nos livros de ficção. Me vem à cabeça o romance O ANIMAL AGONIZANTE, de Philip Roth, cujo personagem é um professor pra lá dos 70 anos que se agarra à vida por um arrebatamento inesperado que passa a sentir por uma aluna de 24. E Gabriel García Márquez em seu excelente MEMÓRIA DE MINHAS PUTAS TRISTES, em que o narrador, de 90 anos, também se exaspera de amor por uma ninfeta. Isso para ficar apenas em histórias escritas recentemente e com enredos pouco ortodoxos. Poderia citar, ainda entre os autores contemporâneos, os livros da portuguesa Inês Pedrosa e tantas outras escritoras que, por meio da literatura, investigam esse sentimento, que é tão difícil de se concretizar da maneira como o idealizamos. Todo amor nos parece impossível, tanto nos livros como na vida real. Se não for impossível, é quase.
 
Eis aí a razão da sua força e mistério. Por que um amor sempre se apresenta a nós como impossível? Por diferenças raciais, sociais ou de idade? Por que um dos amantes é casado? Por que moram em lugares distantes um do outro? Por que as famílias não aprovam a união, no melhor estilo Capuleto e Montecchio? Eu arriscaria dizer exatamente o contrário: o amor é possível em qualquer circunstância, pois nada é mais poderoso do que o que a gente sente. Nada. Nem mesmo o que a gente pensa.
 
O amor é muito mais exigente do que a paixão efêmera: ele pressupõe a construção de duas vidas a partir de uma simples troca de olhares, que é como tudo geralmente começa. Enquanto a paixão se esgota em si mesma e não está interessada no amanhã, o amor é ambicioso, se pretende eterno e, para pavimentar essa eternidade, não mede esforços. Duas pessoas que nunca se imaginaram juntas de repente atendem a um chamado interno do coração e investem nessa união de olhos abertos (a paixão geralmente é vivida de olhos fechados, concorda?).O amor é uma loucura disfarçada de sanidade. Uma loucura registrada em cartório, mas que, mesmo permitida e oficializada, amedronta a todos. O amor é uma loucura sem volta. Não fosse uma loucura, o amor não seria o que é: lírico e profundo, rebelde e transformador. Amar é a transgressão maior. É quando rompemos com a nossa solidão para inaugurar uma vida compartilhada e, portanto, inédita.
Só mesmo a loucura inclassificável do amor para fazer as pessoas criarem trigêmeos, trocarem de sobrenome, dividirem o mesmo banheiro, relacionarem-se com a família do outro e acharem tudo isso normal e inebriante. O amor move o mundo porque nos faz tomar decisões radicais, mudar de país, reinventar a rotina, comprar imóveis, perpetuar a espécie e, diferentemente da paixão, que se agarra ao presente, nos faz planejar um futuro. A vida só está em movimento porque o amor é andarilho e inquieto. Se ele pára, é porque deixou de ser amor. Cessa a evolução, a mudança, o crescimento.
 
O mundo deixa de se mover. Mais ainda: poderíamos dizer que o amor é um processo salutar de autodesconhecimento. Você nunca conviveu com a pessoa que começou a amar, portanto você precisa conhecê-la, e ela a você. Diante dessa página em branco, somos obrigados a nos passar a limpo, e para isso é preciso desconsiderar todas as nossas certezas absolutas cultivadas até então e abrir-se para a formação de uma nova identidade. Poucas coisas nos reciclam tanto. O autoconhecimento, o.k., nos dá respostas seguras sobre nós mesmos, mas segurança demais pode nos paralisar. O autodesconhecimento é que nos empurra para a frente.
 
A ânsia do amor, a dúvida do amor, a incerteza do amor, a dor do amor: uma ameaça, mas ao mesmo tempo um desafio. Se não estivermos sentindo nada, o que nos fará levantar da cama toda manhã? O piloto automático, nada mais.
Mesmo com o amor desprestigiado, lá no fundo sabemos que tudo o que somos devemos a ele, o amor vivido e também o amor que nos foi negado. E aí amplio o universo do amor, não falo apenas do amor romântico, mas do amor familiar, do amor religioso, do amor entre amigos. É o único combustível capaz de justificar nossa existência, já que dinheiro e poder, que tanto se almejam, continuam deixando um buraco na alma, um vazio que nada preenche. É preciso que tenhamos aprendido, desde os primeiros minutos de vida, a importância de termos sido desejados e protegidos. Só assim saberemos desenvolver e doar o próprio amor, caso contrário, estaremos perpetuando o deserto afetivo que nos cerca. Por isso, é vital nos perguntarmos: que espécie de introdução à vida amorosa tivemos? Talvez um pai que nunca nos abraçou, uma mãe mais interessada em vestidos do que nos filhos, uns poucos parceiros de festa (mas nem sequer um ou como o címbalo que retine." São Paulo, primeira epístola dos coríntios, cap. 13, v. 1-7. Eis um pouquinho de reflexão neste mês natalino, em que o amor sai do limbo, ganha novo fôlego e avisa que ainda está vivo. Sem dúvida, está. Seu aparente desprestígio é conseqüência da pressa de viver, da urgência dos dias, da necessidade de se "aproveitar" cada instante, como se o amor fosse um impedimento para o prazer. Francamente, o que se aproveita, de fato, quando não se sente coisa alguma? A resposta é: coisa alguma.
 
O.k., mas e quem não teve a sorte de encontrar um parceiro à altura? Todos tivemos nossas chances. Alguns, uma única, mas a maioria de nós teve várias oportunidades, diversos amores. Amores curtos, mas inesquecíveis. Amores tumultuados, mas que geraram filhos. Amores que naufragaram, mas que nos amadureceram. Amores duradouros, que ainda não acabaram. Todos eles nos incentivando a continuar a procurar, a continuar a tentar, porque quem diz que nunca mais quer amar mente, mesmo que não saiba. Mente. Sem amor, somos tensos. Com amor, somos intensos.
E termino o texto sem pudor de usar um trocadilho rimado, coisa que o amor permite: ele, que nunca foi cafona e é o sentimento mais revolucionário que existe.

 
       
    "QUE PODE UMA CRIATURA SENÃO, ENTRE CRIATURAS, AMAR?(...) 
         AMAR, DESAMAR, AMAR? SEMPRE, E ATÉ DE OLHOS VIDRADOS AMAR?" 
                                      [CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE]
           
 
    Imagem:"Le Bal de Bougival" (A. Renoir, fragmento)

 

 
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 06/10/2009 às 13h12
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20/07/2009 00h21
OS HOMENS COM MAIS DE CINQUENTA ANOS... (Kathleen Lessa)
     

     
Tenho pensando muito nesses homens maduros com mais de cinquenta anos, e que já me encantavam quando eu ainda tinha quarenta.
E os de sessenta?
       Tudo começou por ocasião do 65º aniversário do compositor Chico Buarque, quando passei a elencar na memória vários músicos, escritores, poetas, com mais de 55 anos e concluí que a maioria deles está bem melhor hoje do que há três décadas. Não é incrível isso? Caetano Veloso, por exemplo, era feioso demais aos 22 anos, quando apareceu no cenário musical. Hoje, quase aos 67, é puro charme!

       Creio que a maior atração  que cerca esses homens está na confiança em si, sólida, que adquiriram; a certeza de que não mais precisam provar nada à mulher alguma.
Serenados, eles descobriram a beleza que há neles e nas mulheres com mais de 50 anos. Não procuram, obrigatoriamente, as mais jovens para terem um romance, como forma de autoafirmação. 
Ao menos é assim com a maioria deles. 
        E as conversas com estes madurões é sempre agradável, apaziguada, sem qualquer  competição. Deliciosas!

       Lembrei-me de um texto da Lisiê Silva que fala sobre esses homens com muita clareza de observação.
Trouxe-o.



HOMENS MADUROS

Lisiê Silva

 
 

Há uma indisfarçável e sedutora beleza na personalidade de muitos homens que hoje estão na idade madura.
É claro que toda regra tem suas exceções, e cada idade tem o seu próprio valor.
Porém, com toda a consideração e respeito às demais idades, destacaremos aqui uma classe de Homens que são companhias agradabilíssimas: os que hoje são quarentões, cinquentões e sessentões.

Percebe-se com uma certa facilidade, a sensibilidade de seus corações e  a devoção que eles tem pelo que há de mais belo: o sentimentalismo.
Eles são mais inteligentes, vividos, charmosos, eloquentes. Sabem o que falam, e sabem falar na hora certa. São cativantes, sabem se fazer presentes, sem incomodar. Sabem conquistar uma boa amizade.

Em termos de relacionamentos, trocam a quantidade pela qualidade, visão aguçada sobre os valores da vida, sabem tratar uma mulher com respeito e carinho. São homens especiais, românticos, interessantes e atraentes pelo que possuem na sua forma de ser, de pensar, e de viver.
Na forma de encarar a vida, são mais poéticos, mais sentimentais, mais emocionais e mais emocionantes.

Homens mais amadurecidos têm maior desenvoltura no trato com as mulheres, sabem reconhecer suas qualidades, são mais espirituosos, mais discretos, compreensivos e mais educados.


A razão pela qual muitos homens maduros possuem estas qualidades maravilhosas deve-se a vários fatores: a opção de ser e de viver de cada um, suas personalidades, formação própria e familiar, suas raízes, sabedoria, gostos individuais, etc... Mas eu creio que em parte, há uma  boa parcela de influência nos modos de viver de uma época, filmes e músicas ouvidas e curtidas deixaram boas recordações de sua juventude. Um tempo não tão remoto, mas que com certeza, não volta mais.

Viveram sua mocidade (época que marca a vida de todos nós) em um dos melhores períodos do nosso tempo: os anos 60/70, considerados as "décadas de ouro" da juventude, quando o romantismo foi vivido e cantado em verso e prosa.
A saudável influência de uma época, provocada por tantos acontecimentos importantes, que hoje permanecem na memória e que mudaram a vida de muitos.
Uma época em que o melhor da festa era dançar coladinho e namorar ao ritmo suave das baladas românticas. O luar era inspirador, os domingos de sol eram só alegrias. Ouviam Beatles, Johnny Mathis, Roberto Carlos, Antônio Marcos, The Fevers, Golden Boys, Bossa Nova, Morris Albert, Jovem Guarda e muitos outros que embalaram suas "Jovens tardes de domingo, quantas alegrias! Velhos tempos, belos dias."


Foram e ainda são os Homens que mais souberam namorar: namoro no portão, aperto de mão, abraços apertadinhos, com respeito e com carinho. Olhos nos olhos tinha mais valor... Beijos roubados... A moda era amar ou sofrer de amor.
Muitos viveram de amor... Outros morreram de amor...
Estes homens maduros de hoje, nunca foram homens de "ficar". Ou eles estavam namorando firme ou estavam na "fossa" ou estavam sozinhos. Se eles "ficassem", ficariam para sempre... ao trocar alianças com suas amadas.

Junto com Benito de Paula, eles cantaram a "Mulher Brasileira, em primeiro lugar!" A paixão pelo nosso país, era evidente quando cantavam:" As praias do Brasil ensolaradas, no céu do meu Brasil,mais esplendor... A mão de Deus, abençoou, Mulher que nasce aqui, tem muito mais Amor...Eu te amo, meu Brasil, Eu te amo... Ninguém segura a juventude do Brasil... sil... sil... sil..."
A juventude passou, mas deixou "gravado" neles, a forma mais sublime e romântica de viver. Hoje eles possuem uma "bagagem" de conhecimentos, experiências, maturidade e inteligência que foram acumulando com o passar dos anos.

O tempo se encarregou de distingui-los dos demais: deixando os seus cabelos cor-de-prata, os movimentos mais suaves, a voz pausada, porém mais sonora.
Hoje eles são homens que marcaram uma época.
Muitos deles hoje "dominam" com habilidade e destreza estas máquinas virtuais, comprovando que nem o avanço da tecnologia lhes esfriou os sentimentos pois ainda se encantam com versos, rimas, músicas e palavras de amor. Nem diminuiu-lhes a grande capacidade de amar, sentir e expressar os seus sentimentos. Muitos tornaram-se poetas, outros amam a poesia.
Porque o mais importante não é a idade denunciada nos detalhes de suas fisionomias, e sim os raros valores de suas personalidades.
O importante é perceber que os seus corações permanecem jovens...

São homens maduros, e que nós, mulheres de hoje,  temos o privilégio de poder admirá-los.

Lisiê Silva
(28/01/03)
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 20/07/2009 às 00h21
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