CARTA DE IRRITAÇÃO E LOUCURA
Caros leitores,
Troco de sintonia. No dial busco outra freqüência, talvez a sintonia fina, afino a voz, afio as garras, engrosso os punhos para desatar o punho da rede, zarpar desembestada pela avenida aqui em frente. Por qualquer uma, na verdade. Gritar. Expressar minha raiva e loucura.
Estamos às quase 4 horas deste domingo e o verão em pleno outono paulistano está hoje de lascar!
Naquela famosa passagem bíblica, Jesus exprimiu sua santa ira, ao chamar de "hipócritas" escribas e fariseus. Mas a minha – esta de hoje ao menos - não é santa...não tem propósitos humanitários nem sociais. Seria o grito de um animal machucado se eu o liberasse.
Mas não. Não faço nada disso. Reprimo-o. Segurar o ímpeto - de amor ou de cólera – já é difícil. De instinto é uma auto-agressão, porém... e o peso das conseqüências?
É cedo na madrugada e cedo-lhe a poltrona em que me atirei cansada, suarenta, calor de aleluias e pernilongos me cercando, cidade agitada e bares cheios, buzinas que passam a pequenos intervalos, comemorando sabe-se lá o quê com tanto alarido. Ou será desespero?
Zonza a minha cabeça, como que à saída do chicote de um parque de diversões... E a irritação cresce, abafando...Um infarto resolveria tudo? Água com gás, super gelada, sobre meia dúzia de cubos de gelo num copo alto. Bebo-a de uma vez só. Sem respirar. Vários copos com água, bebidos em cascata! Sofreguidão. Matar a sede. Lavar as dores. Matar-me com esxcesso de líquido.
Pena não ter folhas de hortelã em casa. Nem passiflora.
Completando a cena: um e-mail debochado chegou errado à minha caixa eletrônica, com mensagem que, aparentemente, não era para eu ler... Ou era? Dirigido a uma terceira pessoa, a remetente parece ter-se enganado no envio. Ato falho? Falava mal de mim.
Apesar de causar-me desconforto e decepção, foi bom. Há males que vêm para o bem; corta-se logo o mal pela raiz, dizem os sábios ditados.
Rasga-se de cima a baixo o véu da hipocrisia.
Tá rasgado!
Sossego? Nascerá um dia mais leve e mais frio? Vocês podem prever algo assim?
O calor vem aumentando muito! Minha pele não agüenta...Meu psiquismo também não.
Não quero explicações sobre o efeito estufa e o aquecimento global. Isso não me interessa. Esse saber não refresca. Não me faz respirar mais devagar, livremente. Aliás, cientistas sérios não afirmam que o aumento de temperatura global esteja diretamente relacionado com um aumento dessa estufagem.
Lembro-me agora de Meursault, o protagonista de O Estrangeiro, que num dia de intenso calor, "por causa do sol" alega ele, mata alguém na praia.
Esta é apenas uma das pontas da história, do drama. É um livro que fala sobre a hipocrisia na sociedade humana, mormente no último século.
Sim. Decerto por isso o livro de Camus veio à baila: calor, hipocrisia, irritação.
Preciso mudar de país, caros leitores.
Ou morar em regiões montanhosas com temperaturas amenas e/ou baixas.
O calor não é civilizado. O país tropical, ensolarado, também não.
Acho indecente termos que passar o dia crudentes, roupa úmida, a pele oleosa. Sei lá... Não é pra mim.
Abraços, em clima abafado de loucura.
Perdoem meu des-abafo.
KML
No filme "Um dia de Fúria", com os atores Michael Douglas, Robert Duvall e Barbara Hershey, em dia de muito calor e poluição, um homem abandona o seu carro no congestionamento e sai pelas ruas de Los Angeles, respondendo com violência a situações estressantes que encontra em seu caminho.
À certa altura o personagem principal pergunta a um policial:
"Estamos perdendo a calma?"
"Estamos!" , respondo do meu sofá.