FRAGMENTOS E CISMARES 17
[DAS TINTAS NOS MEUS DIAS]
"Com o tempo a tinta velha em uma tela muitas vezes se torna transparente. Se isso acontece, é possível ver, em alguns quadros, as linhas originais: uma criança deu lugar a um cachorro e um grande barco não está mais em mar aberto. Isso se chama pentimento, porque o pintor se arrependeu, mudou de idéia". (Lilian Hellman)
Da palheta, das cores e pintura, amo Van Gogh, que não teve medo de carregar nas tintas, não pôde esconder sua loucura, sucumbiu na lama e na pobreza e renasceu para o mundo, quase um século depois, com suas telas em leilões concorridos, qual uma flor do charco, exuberante e bela, vendida cara nas floriculturas grã-finas.
Amo igualmente Monet, que mesmo já cego e bonachão, manteve-se poeta no olhar, um olhar de sombras, coloridas e pontilhadas, ora claras e alegres, ora escuras ou suaves, sob o véu do impressionista que revela e esconde, deixando a sugestão em vieses, ver e entrever.
Amo mais ainda Lautrec, que embora pequenino, feio e doente, mal-quisto e espezinhado, pintava com alegria as paredes e as telas, mostrando o movimento do tempo e dos gestos, o mundo da boêmia, os prostíbulos, desenhos caricaturais, retratando esse escracho embaralhado e difícil a que chamamos vida...que nos surpreende com fausto e pobreza, com feiúra e beleza, mistura de tons fortes e surpreendentes.
Menciono os três artistas porque em mim habitam todas essas nuances.
E quantos mais eu não poderia citar! Envolvo-me na pintura. Sinto-me pintora! O momento, a hora, o dia é que norteiam as formas e pinceladas com as quais me visto ou me dispo. As cores. O estilo.
Em mim os sentimentos têm nomes próprios.
Nada de esconder um com nome de outro; nada de guardar o que quero declarar; de fingir aquilo que não sou; de escaramuçar o que sinto.
Não há rascunho. Sequer arrependimento dos meus sentires.
O que é e o que não é são expressados com clareza, mesmo que às vezes haja dor ou decepção, de alguma forma, descontentamento...
Há pintura nos meus dias mas não há pentimento.
Tela de Toulouse-Lautrec, "Au Moulin Rouge".