FRAGMENTOS E CISMARES 09
[O TEMPO E OUTROS TEMPOS]
Aqueles eram os tempos de amanhecimento. Antes daquela chatura descolorida, a empertigada madurez. Tempos de pura insensatez, desobrigados, tresloucados, tempos benditos!
Despeadas corriam então as emoções, as vontades, os tolos caprichos, as iniciativas, as escolhas dúbias, as decisões de última hora, as horas em sentido contrário, espremidas até lhes arrancarmos o último sumo! Pisávamos no tempo. Não nos alcançava.
Quando foi que começamos a ficar assim, tão amordaçados, acorrentados, insípidos e covardes? Tão enferrujados? Sem whisky a go-go do início da noite ao início do dia, sem o traquejo da fala, do coração e do corpo para o "do you wanna dance?"...
O compositor tinha razão: não faria nada mal um sonho a mais a esta altura da vida.
O tempo é um rolo compressor.
Não há mais as rosas roubadas, tão vermelhas de paixão, nem amores nas janelas.
O tempo voa bem mais que a canção...
Anoiteci-me. Tristemente.
[Para o amigo Carlos Rodolfo Stopa, cujos poemas sempre suscitam boas conversas e intertextualidade.]