Textos
VIAGEM E SAUDADEViajo sozinha porque tenho pressa.
Viajo assim porque o tempo brinca comigo, dele não sei, não mais o mensuro. Sou refém.
Meus pés só cabem dentro dos meus próprios passos.
Meus sonhos só vivem dentro de meus limites.
O amor esteve mais entre as dobras da vida do que em suas paragens e paisagens.
Atravesso os dias como quem espera mas não se demora muito.
Eu queria a chave da porta dos dias futuros. Da morada. Da passagem secreta, do porão, do sótão. Um solar aconchegante para tantas pessoas, histórias e saudades, para a fieira de tudo que ficou comigo depois que se tornaram invisíveis e eu, órfã de contatos e carinhos.
Aos poucos o vento ponteiro apagará da vida, e nos que nela ficarem, as minhas pegadas, o perfume, a voz, o convite do meu olhar, minhas manias, os erros, o atrevimento incômodo que abriga certa timidez, o modo de me desculpar, o empenho em acertar, minha solicitude e a precoce ranzinzice. Minha memória. A inquietude. Vozes interiores e longínquas que dialogam com meus monólogos. Todos os dias. A qualquer hora e inconveniência.
Onde estacionarei minha alma, esta cidade perdida dentro de mim?
Insólitos passos procuram uma trilha entre os claros e escuros, entre os absurdos, as alucinações e a realidade grise, as flores e as asas entre pesadelos.
Sim... o horizonte é mesmo uma linha circular; volta-se sempre ao ponto de partida.
Viajo só porque não há outro jeito de fazer a travessia.
E estou quase de partida.
Sinto a aridez que já se sabe pó, os movimentos presos entre os ossos.
foto: Fla Barbieri
KATHLEEN LESSA
Enviado por KATHLEEN LESSA em 13/07/2014
Alterado em 24/07/2015
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