Kaleidoscópio Literário
a expressão de Kathleen Lessa
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Textos
* formação dos guilherminos

(Haicais Extraídos do livro "Poesia Vária")
 
O PENSAMENTO
O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.
 
HORA DE TER SAUDADE
Houve aquele tempo...
(E agora, que a chuva chora,
ouve aquele tempo!)
 
CARIDADE
Desfolha-se a rosa.
Parece até que floresce
O chão cor-de-rosa.
 
SILÊNCIO
Uma tosse rouca,
Lã male. O "store" que bole,
A noite opaca e oca.
 
A INSÕNIA
Furo a terro fria.
No fundo, em baixo do mundo,
trabalha-se: é dia.
 
MOCIDADE
Do beiral dacasa
(ó telhas novas, vermelhas!)
vai-se embora uma asa.
 
HISTÓRIAS DE ALGUMAS VIDAS
Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
passasem parar.
 
INFÂNCIA
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".
 
LEMRANÇA
Confete. E um havia
de se ir esconder, e eu vir
a encontrá-lo, um dia.
 
O POETA
Caçador de estrelas.
Chorou: seu alhar voltou
com tantas! Vem vê-las!
 
CIGARRA
Diamante. Vidraça.
Arisca, áspera asa risca
o ar. E brilha. E passa.
 
GAROA
Por um mundo quase
oéreo, há um vago mistério.
Passa o Anjo de Gaze.
 
CIGARRO
Olho a noite pela
vidraça. Um beijo, que passa,
acenda uma estrela.
 
NÓS DOIS
Chão humilde. Então,
riscou-o a sombra de um vôo.
"Sou céu!" disse o chão.
 
CONSOLO
A noite chorou
a bolha em que, sobre a folha,
o sol despertou.
 
VELHICE
Uma folha morta.
Um galho, no céu grisalho.
Fecho a minha porta.
 
CHUVA DE PRIMAVERA
Ve como se atraem
nos fios os pingos frios!
E juntam-se. E caem.
 
MEIO-DIA
Sombras redondinhas
Soldados de pau fincados
sobre rodelinhas.
 
NOTURNO
Na cidade, a lua:
a jóia branca que bóia
na lama da rua.
 
MERCADO DE FLORES
Fios. Alarido.
Assaltos de pedra. Asfaltos.
E um lenço perdido.
 
N. W.
Dilaceramentos.
Pois tem espinhos também
a rosa-dos-ventos.
 
EQUINÓCIO
No fim da alameda
há raios e papagaios
de papel de seda.
 
O SONO
Um corpo que é um trapo.
Na cara, as pálpebras claras
são de esparadrapo.
 
JANEIRO
Jasmineiro em flor.
Ciranda o luar na varanda.
Cheiro de calor.
 
DE NOITE
Uma árvore nua
aponta o céu. Numa ponta
brota um fruto. A lua?
 
QUIRIRI
Calor. Nos tapetes
tranqüilos da noite, os grilos
fincam alfinetes.
 
PASSADO
Esse olhar ferido,
tão contra a flor que ele encontra
no livro já lido!
 
FILOSOFIA
Lutar? Para quê?
De que vive a rosa? Em que
pensa? Faz o qué?
 
UM SALGUERIO
A asa. A luz que pousa.
O vento... É o estremecimento
vão por qualquer cousa.
 
UM RITMO DA VIDA
O berço vai e vem.
Mas vai com a quê? – Um ai.
E vem? – Sem ninguém.
 
OS ANDAIMES
Na gaiola cheia
(pedreiros e carpinteiros)
o dia gorjeia.
 
TRISTEZA
Por que estás assim,
violeta? Que borboleta
morreu no jardim?
 
PERNILONGO
Funga, emaranhada
na trama que envolve a cama,
uma alma penada.
 
PESCARIA
Cochilo. Na linha
eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha.
 
OUTONO
Sistema nervoso,
que eu vi, da folha sorvida
pelo chão poroso.
 
VENTO DE MAIO
Risco branco e teso
que eu traço a giz, quando passo.
Meu cigarro aceso.
 
FRIO
Neblina? ou vidraça
que o quente alento da gente,
que olha a rua, embaça?
 
OUTUBRO
Cessou o aguacerio.
Há bolhas novas nas folhas
do velho salguerio.
 
O BOÊMIO
Cigarro apagado
no canto da boca, enquanto
passa o seu passado.
 
FESTA MÓVEL
Nós dois? - Nao me lembro.
Quando era que a primavera
caía em setembro?
 
ROMANCE
E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas maos nas minhas.
 
O HAIKAI
Lava, escorre, agita
A areia. E, enfim, na bateia
Fica uma pepita.
 
NOROESTE
Dilaceramentos...
Pois tem espinhos também
A rosa-dos-ventos.
 
Haicais da colina
(Poemas extraídos do livro O Anjo de Sal)
 
PACAEMBU
Chuva e sol. Repara
nas giestas atrás das frestas
das persianas claras.
 
PROGRESSO?
Enorme canhão,
o arranha-céu acompanha
o vôo do avião.
 
CARRILHÃO
Assusta-se e foge o
enorme tempo que dorme
no velho relógio.
 
SABEDORIA
Uma ave, poisada
no pára-raio, olha para
o céu. E há trovoada.
 
INTERIOR
Havia uma rosa
no vaso. Veio do ocaso
a hora silenciosa.
 
BOLHA DE SABÃO
Dirás, quando a vires:
"A bola de vidro rola
debaixo do arco- íris".
 
POETAS
Tive uma irmã gêmea.
Sonhou com o céu. Chorou.
Nuvenzinha boêmia.
 
CAMPOS DO JORDÃO
Vão duas meninas
de suéter de lã. Cheira a éter.
Ondas de colinas.
 
PRESSENÇA
Hora sem ninguém.
No manso ondear do balanço
de lona está alquém.



* A "fórmula" dos haicais de Guilherme de Almeida, os "guilherminos":

– os três versos japoneses, na sua ordem original: 5 - 7 - 5;
– o primeiro, rimando com o terceiro;
– o segundo - septissílabo - com uma rima interna: a segunda sílaba rimando com a sétima .
KATHLEEN LESSA
Enviado por KATHLEEN LESSA em 01/10/2013
Alterado em 27/03/2015
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