O verso de saideira
Contempla um falso céu amarelo
E trinados de bem-te-vis...
A madrugada passara,
Viva, clara.
Amanhecia.
Bom-dia!
Agradeci, de pleno coração.
Retomei meu primeiro sono
Como se fora meu verso primeiro,
Deitada de lado, ao reverso,
Mas agora, então, mais feliz.
No ar, palavras e histórias,
Centelhas sonoras mágicas!
O esmeril do afiador de facas,
O jornal atirado no jardim.
Burros zurram,
Galinhas cacarejam,
Cães latem para aquecer a garganta...
Unem-se num concerto matinal
Com aves da estação e em extinção,
Com coisas que já não são.
Fazem literatura?
Talvez.
Não pode ser apenas mais uma manhã,
Esta,
E animais em seu cotidiano acordar
Enquanto eu me espreguiço, com tédio,
Os olhos melados nas páginas de um livro,
A boca roendo uma maçã,
Os bichos, as árvores,
Os cheiros, os sabores,
As águas...
Águas doces e salgadas,
Vindas de todos os confins
E de ti e de mim...
Arrepios.
São versos, mesmo que não cheguem a poema.
Há literatura na casa de marimbondos
Há anos naquela ameixeira,
A mesma que atrai morcegos quando dá frutos.
Analogias?
Muitas para se viver.
Admirável e difícil a existência.
A morte dissolve tudo.
Água sanitária sobre o encardido.
O caos é trivialidade.
O apocalipse é imperante.
Há um dilúvio sobre e entre nós.
Preparação?
Ramos de oliveira?
Acta ex fabula.
No tablado descorado o salto agulha.
"Acta ex fabula", expressão latina que significa "acabou a farsa", "fecha-se a cena".
Imagem: colagem de KML, com base em "Ensaio", de F. Borgerth.