TEMPO DA VELHICE
"A velhice é a paródia da vida" (Simone de Beauvoire)
O que a velhice reserva?
A casmurrice,
Buscando-se a reconstrução do passado
E a união das duas pontas da vida?
Dores,
Quando o retrato projetado velho
For desvendado cópia do espelho e ferida?
A entrega da alma ao Diabo
Para assim manter a juventude e atrair amores?
A aceitação da metamorfose,
Desapegar-se não só da agilidade do corpo
Mas também de pertences e hábitos,
Dos traços principais,
Vivendo sem identidade,
Meio que à imposição de cada filho ou parente?
Velhice chega de repente e se instala.
A memória apresenta falhas,
A pele se esgarça e resseca,
A boca perde o belo contorno,
As formas minguam ou inflam,
Os cabelos se cobrem de prata,
Os olhos enxergam mal,
A audição distorce palavras...
O fôlego fica menor,
As articulações doem,
O corpo perde seu tônus,
Às vezes também a estatura...
Num estalar de dedos se está
Trocando a bela e fina estampa
Por triste e alquebrada figura.
Que ninguém se engane:
A beleza da alma não arranca suspiros
E ninguém a quer comprar...
A sabedoria acumulada já não tem valia...
Valores são como guardanapos de papel,
O mundo muda depressa demais!
A ordem é substituir.
Onde começa a velhice?
No rosto ou no coração?
Quais são as rugas que contam?
As dos olhos ou as da visão?
Quanto mais velhos
Mais etéreos.
Melhor aceitar-se como um novo ser
Que se resignar ao arremedo.
O tempo é um fio que se encurta
Quanto mais longo é o mesmo tempo.
Vão-se os anéis,
Restam os dedos,
Da vida a recontar os dias e os segredos.
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