FRAGMENTOS E CISMARES 01


              [CONVERSA NOTURNA]


       Aqui são 2:30 e não importa a data para nós pois muitas são igualmente assim. 
      Identifico-me com mais um dos teus poemas e percebo que também padeço do que padeces nessas muitas noites de torpores, revirando-me na cama, o tec-tec tedioso do ventilador. 
O ar está abafado em São Paulo. Mormaço sobre a madrugada aberta, adensando-a.
Corro o dial do rádio para um lado, para outro, procurando melhorar a sintonia.
Minha?
      Músicas enchem meus ouvidos de um fervilhar estranho, aumentam-me a agitação e o torpor.
Incoerência? 
Tu sabes que não...Conheces o processo.
Dá vontade de saltar a janela e embarcar no vento pressentido, flutuar sobre as pessoas que dormem, sobre a cidade, sobre as coisas... escapar...
Seria a morte? O auto-exílio?
Nisso não penso quase nunca... Estar fora das coisas já é uma morte. Quem sabe um disco-voador para me abduzir, me arrebatar num facho azul-néon, cumprindo uma fantasia infantil. Ser estrangeira em meu próprio corpo já é uma morte... 

       Cá me consolo com meus botões pois li teus versos e vi que não estou só.
Numa outra cidade, outra paisagem, alguém, como eu, também não serena... Quer de volta a presença antiga, as madrugadas de outrora sob os lençóis, o sono que chegava fácil e a preguiça matinal... os prosaicos preciosos! 

       Estou cheia de estar vazia!
       Mas por vezes deixo-me ficar, como agora... sem energia... molemente. Só cismando.

"Sim, eu estou cansado
Mas não pra dizer
Que eu estou indo embora..." 

        Um dia. Em outro endereço. Quem sabe eu te conto... Quem sabe me encontro...
Quem sabe qualquer coisa. 



 
intertexto para "Torpore [Latentes circuitos do Corpo]" , de Carlos Rodolfo Stopa.