Fragmentos e Cismares 40
[UNIVERSO DE ESPANTOS]
Mudanças não avisam que chegarão.
São sustos com adaptação instantânea, custe o que custar.
Amigos somem e nunca se saberá por quê.
Amores se dissolvem e partem sem qualquer explicação.
Pessoa de confiança de repente passa a perna na amiga.
A zeladora dos bons costumes cobiça marido alheio.
Ente querido, vendendo saúde, falece subitamente.
Aguarda-se uma promoção e vem a dispensa.
A morte anunciada arrasta-se por anos.
O filho bem cuidado e educado vira bandido.
A filha bem educada e prendada prostitui-se.
A estudante bem nascida mata os pais.
O estudante de engenharia engenha a morte da avó.
O jovem advogado, brilhante, corrompe-se.
O dirigente espiritual aproveita-se de menores.
O executivo renomado consome cocaína diariamente.
A mãe beija seu bebê, veste-o bonitinho e atira-o no rio.
A professora alicia sexualmente uma aluna.
O jovem fanático metralha escolares.
O pai trabalhador e pacato abusa das filhas pequeninas.
A mulher linda, bem sucedida contrata prostituto de luxo.
O político surrupia donativos aos pobres.
A dondoca esticada põe gargantilha de rubis na cadelinha.
O abandonado pela esposa vaga pelas ruas, bêbado.
A Igreja cobre-se de ouro e não divide com os pobres.
A sociedade não se comove com os dramas reais mas derrama lágrimas nas cenas da novela.
Modernos defendem animais com unhas e dentes mas desdenham crianças maltratadas.
Rebeldes sem causa aplicam-se em preconceitos.
O grande amor de repente vira nada.
A confiança estilhaça-se mediante um ato impensado.
[?... ]
O senhor rico e bem posicionado presta trabalho voluntário...
A senhora cega e paraplégica conta histórias para crianças com câncer...
A irmã extremada gera uma criança para a que não pode engravidar...
O médico famoso reconstitui gratuitamente o rosto do menino deformado...
A lavadeira favelada reparte com estranhos o pão suado...
A patroa resolve ajudar a empregada que acordou com dores...
O empresário larga tudo e dedica-se aos sobreviventes das fortes chuvas.
[...?]
Continua-se sonhando. Até mesmo por defesa, para seguir com a vida.
Entretanto, quantos pesadelos aprontam-se para algum assalto
Ao corpo desarmado,
À alma clara, serena e ilibada,
Ao cidadão de bem,
Ao que não se sabe nem sequer se tem.
[Mundo, mundo... surpreendente e obtuso mundo...]
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