"Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando
sob a polpa. Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca.
Cuspi a semente: assim queria escrever, indo ao âmago
do âmago até atingir a semente resguardada lá no fundo
como um feto". (*)
VERDE INDIGESTO
O porão das nossas incertezas
Mergulha-nos na escuridão...
Somos escravos da poeira, do mofo,
Dos móveis empilhados,
Dos brinquedos incompletos,
Dos cacarecos que guardamos
Sem questionar por quê...
Quando lhe abrimos a porta
Um feixe de luz adentra o espaço,
Bate num espelho meio-corpo, descascado,
E mostra-nos uma figura horrenda,
Esverdeada,
Limosa,
De olhos melancólicos, baços,
Um verde lagarto amarelo:
A estranheza que não percebemos que somos.
Remanso de frustrações...
Nós e nossas perplexidades.
Nós e nossa auto-ignorância!
Verdes.
Abstrusos.
(*)"Verde Lagarto Amarelo", de Lygia Fagundes Telles.