INSIGHT
Há momentos na vida em que uma única palavra, frase ou fato corriqueiro nos dão o entendimento do universo inteiro, uma reflexão com bons frutos.
Certa vez assisti pela televisão a uma reportagem que me atraiu a atenção pela singularidade do seu conteúdo.
Em uma penitenciária de Divinópolis, no centro-oeste mineiro, vivia um sabiá que, não obstante livre para alcançar os céus, se afeiçoara aos detentos, que o alimentavam e protegiam dos predadores e naturais intempéries.
O caso em si era de uma trivialidade cartesiana: de tanto ganhar e não precisar prover, o sabiá não aprendera a buscar.
No entanto, a qualidade dos atores dessa cena tão banal não deixava de traduzir uma noção antitética, paradoxal: de um lado estava quem queria e não podia ser livre; do outro, quem podia e não queria voar.
Emocionou-me tanto o fato quanto a constatação.
A compreensão de seres cativos um do outro, e do que já conhecem, nunca fora tão clara para mim. O ato, cômodo, de sermos cativos também não.
Foi um momento de insight.
Aconteceu, salvo maior lembrança, no final do ano 2000, alguns dias antes ou após o Natal.
A história invulgar do sabiá da penitenciária, trouxe-me também a percepção do nosso medo de voar, de abandonar o concreto absoluto e divagar em torno dos sonhos e probabilidades incertas. Antes o certo que o duvidoso...o ditado, "mais vale um pássaro na mão do que dois voando".
A vida parece ser inexorável no trato com o destino das pessoas. Ela não leva muito em conta a vontade dos viventes. Os viventes temem seus atalhos, mesmo pesando os lucros do que seria usufruí-la de outras maneiras, ainda que tangencialmente.
Escreveu Fernando Pessoa:
"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela (...)
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro."
Assim estou...na estalagem, à espera da diligência, cativa como o sabiá cativo, determinada a não arredar pé dela, custe o que custar.
Não quero perder o final desse enredo.
A vida tem métrica solta e versos quebrados.
Não deixa, entretanto, de ser poesia.
26/09/2003
[Citação, em itálico, de "O Livro do Desassossego", de F. Pessoa]