ILUSÕES NECESSÁRIAS
A trava na fala,
A mudez na alma,
O entrave no olhar,
A amargura no coração,
Reclamos do corpo.
Haverá, afinal, amanhã?
A dor sem dor do depois?
Atracaremos num porto seguro,
Mar sempre claro, brisa leve,
Andorinhas a chilrar?
Pisaremos um jardim florido,
Toalha de piquenique sobre a relva,
Nuvens róseas e semoventes,
Inesperado arco-íris no horizonte,
Um regato pertinho a murmurejar?
Por sedex virá um presente,
Um coração em cristal, pulsante?
Uma rosa nunca antes vista,
Que ganhou nosso nome?
Uma chave mágica
Que desvele segredos?
A palavra de um amigo,
Tão amigo que nunca nos falte?
O postal de uma praia:
"Eu te amo! Saudades."?
Enquanto o pensamento zanza,
[Alta madrugada,
Notícias ruins na tevê,
Violência de todo tipo,
Novo dia de miséria,
Insatisfações à vista,
O desencontro das pessoas...]
Elaboro paraísos,
Utopias profiláticas,
Embriago-me de palavras quase extintas
E construo um relicário poético...
Uma vitrina para que os olhos,
Desarmados, possam sorrir.
Há que se ter fantasia
Na vida e na poesia.
O cotidiano fere.
A realidade insulta.
Os dentes não quero ranger.
Escrevo.
imagem: FlickR, edição KML