(para J.D.S.B. , num dia de 2000)
Minha cabeça não consegue raciocinar sobre os acontecimentos.
Você acha que eu escolhi? Aconteceu...
Aconteceu como tantos acidentes acontecem, como certas atitudes acontecem, sem vontade ou planejamento, sem que se dê conta da sucessão de fatos nem quais as consequências advindas.
Foi como você, naquele dia chuvoso, cruzando inadvertidamente uma via principal, a mente descuidada e absorta, os sentidos longe... e depois perplexo com o que conseguiu fazer, embora não quisesse. Um acidente. É um mau motorista por causa disso? Simplesmente aconteceu. Ficou um machucado que pôde ser curado, um demérito no prontuário, uma crise de consciência talvez, um alerta para estar mais atento.
Isso não maculou a sua essência.
Um acidente não define uma pessoa.
Um mau passo também.
Essas coisas fazem parte da infelicidade que nos acomete vez ou outra.
E da qual o agente é quem mais se prejudica.
Não conseguimos guiar nossos destinos e muitas vezes nem a nós mesmos.
Pode haver cuidados, termos pretensões de anjos, mas somos terrenos e falíveis.
Quantas vezes já não lamentei e me amaldiçoei por grandes desatinos?
Não há um dia em que eu não me descarne por passos intempestivos que dei, desempenhando meus piores papéis. Papéis de atriz em decadência...
Eu, assim como você, somos como uma rajada! De pensamentos e atos!
Por momentos, por onde passa, estabelece a desordem, desequilibra a harmonia, varre o que não era para ser varrido.
Somos pessoas da chuva.
Quis guardar você como um sopro de vida alegre, porque te adoro; porque você é importante para mim; porque faz parte das minhas lembranças felizes em tempos difíceis; de uma carta de aniversário bela como jamais recebi e sei que jamais receberei; de flores invisíveis e mais perfumadas do que as que já entraram pela minha casa; de palavras gentis e atenções doces, que jamais recebi de outros homens; de cuidados, conforto e apreço maiores do que alguns amigos me puderam dar; de fantasias prazerosas que com você desenvolvi; de elogios sinceros; de muitas brincadeiras com nomes, leves e divertidas; de uma peça interessante que você escreveu... das folhinhas de alcachofra molhadas no azeite num dia de sol claro e ameno, um ritual de sedução e delícia... de tantas e tantas vezes em que me disse que eu poderia ousar, enlouquecer, me despir porque seria você um abrigo para minhas alucinações e conduta.
Lembra-se?
Ousei, querido. Desculpe-me o mau jeito.
Kathleen
KATHLEEN LESSA
Enviado por KATHLEEN LESSA em 23/11/2009
Alterado em 24/11/2009