PAINAS
Cala-te, poeta.
Cala-te e ouve:
Eu também, como tu,
Tenho cavalgado entre nuvens e espantos,
Entre brumas e penhascos...
Horas frias, mãos rachadas, lábios ressecados,
Narinas distendendo-se para tomarem fôlego,
Respirarem.
Trago os cabelos cobrindo meu rosto
Como crina basta,
Que é para esconder o pranto bailarino dos olhos
E esconder-me de mim...
Dos males que me faço...
Da caduquez de meus atos...
Fixar-me em meus passos,
No eco oco de cascos cansados.
Painas molhadas, cabelos, crinas.
Ah, um dia azul...
Azul anil por inteiro!
Um anjo medianeiro
Descendo do céu ao meio-dia,
Luz nas mãos,
Alterando a geografia,
Operando mudanças.
Em mim. Em ti.
Leve brisa perfumada passaria...
As painas-do-campo no tom do trigo
Seriam sinal de ventura...
Trariam secura ao meus olhos, então.
A cabeleira agora exporia meu rosto.
Ouve, poeta.
O anjo demora a vir...
Frutos demoram a amadurecer
E soltar a paina...
A paisagem ainda não é alegria
Mas não está morta.
Aguarda seu tempo.
Tem seu processo, seu ritual.
Não estás só.
Nem tudo é azul.
Para ninguém.
Cala-te, pois, poeta.
É instante de quietude e espera.
imagem: Google