No entanto, o conceito de destino pode ser entendido de duas formas: como algo indeterminável ou como algo predeterminado. O destino indeterminável pressupõe que “quem lança os dados”, por assim dizer, é cego ou não é propriamente ninguém, apenas o acaso. O destino predeterminado, por outro lado, já estaria “escrito”, como se toda e qualquer escolha/esforço resultasse em um único fim.
Prefiro pensar num destino indeterminável, onde não há nada escrito e, sobretudo, nada que possa ser escrito. Somente assim o destino não implica em um único fim possível e nossa liberdade não é anulada por um universo cego e mecânico – ao contrário, ela atua criativamente por detrás desse universo. Para esclarecermos esta ideia, podemos recorrer à Nietzsche e sua ideia de “paixão ao destino” (ou amor fatti).
Para Nietzsche, somos escravos de um destino cego que reaparece para nós em um contínuo retorno da sensação de agonia. Contudo, o problema não é este destino cego em si, mas sim a relação afetiva que temos com ele: temos medo da violência cega que o acaso implica ao anular todo o valor de nossa vontade consciente e nossa liberdade de escolha.
Esse medo, segundo Nietzsche, nos faria adoecer e perder a chance que é dançar em meio ao infinito processo de criação que o acaso possibilita. Seria somente quando amamos esta falta de sentido da vida (o destino indeterminável) que podemos nos salvar da agonia eterna.
“Dançar” significa, então, recuperar a atividade criativa diante de um mundo cego, fazendo-nos perceber que somos nós os criadores de sentido e que este sentido morre quando não estamos dançando.
O que eu quero dizer é: nossa vontade criativa somente se realiza com o reconhecimento do inevitável, ou seja, de tudo aquilo sobre o qual não temos controle.
Pensando em design, acho que esta ideia do inevitável é mais interessante do que a ideia de destino. Pois todos nós passamos, dia a dia, por situações que (predestinadas ou não) acontecem independentemente da nossa vontade e de nosso livre-arbítrio: acidentes, encontros inesperados, sentimentos espontâneos, pensamentos aleatórios, mortes, boas e más notícias e, enfim, tudo que fuja do nosso controle.
Frente a tais situações, somos convidados criar um sentido, como se fôssemos coautores do inevitável. De forma análoga, não temos total liberdade de criação em um projeto de Design, podemos apenas articular um sentido dentro de fatores inevitáveis. É partindo de tal pressuposto que eu tenho estudado métodos oraculares (como o Tarot ou o I-Ching) como sendo uma ferramenta em potencial ao processo criativo em Design.
Grosso modo, o Tarot e o I-Ching são jogos de adivinhação do futuro. Em um primeiro momento, as cartas (no Tarot) ou as moedas (no I-Ching) apontam uma situação inevitável ao indivíduo que as consulta (o consulente).
No entanto, o consulente é orientado a não simplesmente aceitar ou tentar mudar esta situação inevitável – ou seja, ele não deve posicionar-se de maneira passiva e nem ativa.
Ao invés disso, o consulente é convidado a encarar o inevitável enquanto possibilidade, como algo que solicita uma reação criativa.
É como se, pensando em artes marciais, estivéssemos redirecionando ao nosso adversário toda a força que ele investiu contra nós – para isso, não temos muita liberdade de ação, pois nosso movimento deve ser análogo ao dele.
Ou seja, para criarmos um sentido ao inevitável, nós apenas “aproveitamos” uma situação inicial, redirecionando-a para nossa vontade ou intenção, mas sem fundamentalmente alterá-la. Noutras palavras, basta que o sujeito saiba inscrever seus fins (vontade e intenção) numa trajetória inevitável, de modo que, em coautoria criativa, a intenção dele participe de forma “imperceptível” de uma situação inevitável.
Evidentemente, não se trata de uma tarefa simples e fácil. Mas podemos reconhecer que tal estratégia se aproxima mais de uma criação reativa do que de uma ação do querer.
Consequentemente, penso que o designer deve ser capaz de articular essa aparente ausência de liberdade no seio de seu processo criativo, de modo que um efeito compensador, jogando a seu favor, resulte em um sentido intencional e simultaneamente inevitável.
É mais ou menos assim que Jung caracteriza a noção de sincronicidade:
[...] de um lado, como um fator universal existente desde toda a eternidade [um fator inevitável] e, do outro, como a soma de inumeráveis atos individuais de criação que acontecem no tempo.
Os métodos oraculares, por sua vez, abarcam as maneiras como o ser humano expressa criativamente sua individualidade, ultrapassando-a.
Isso implica em uma práxis intencional que não pode ser reduzida ao livre-arbítrio e nem a um inevitável destino predeterminado, mas que incide necessariamente na forma de um discurso. E assim como uma cultura, uma ideologia ou um conjunto de normas ético-sociais, um projeto de Design, em maior ou menor grau, sempre constitui um discurso que nos orienta a agir diante do inevitável.
Referências Utilizadas:
- JUNG, C. G. A Dinâmica do Inconsciente. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. VIII/III. Petrópolis: Vozes, 1984.
- NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.