DA NATUREZA POÉTICA*
Somos poetas,
testemunhas de brancos úberes
e de cômodos anônimos
e escuros;
somos poetas,
dia após dia, em peleja bravia
entre amores estelares
e ardores genitais;
somos poetas,
entre pazes e guerras,
flores e pedras, voos e quedas,
sonhos e merdas;
somos poetas,
conhecedores dos cantos dos anjos
e das valquírias, e dos dolorosos
uivos dos cães às sombras
vazias.
Sim, somos poetas, amiga,
e nossas horas são de chumbos líquidos,
e nossos versos são farrapos
feitos de lamparineiras
névoas;
e antes nos convenha
que sejamos, dolorosa e angustiadamente,
assim – muitas vezes ininteligíveis
ou alucinados –
que nos deitamos
em barca à nau no mar desta vida,
com nossas tênues luzes
apagadas.
Péricles Alves de Oliveira
*(interação com o poema "Naturezas mortas", de Kathleen Lessa)