Conta uma antiga lenda que, quando Deus criou o Mundo, este não era mais do que uma nebulosa escura, sombria, sem brilho, sem claridade, sem cor e sem som. O “Orbe Terrarum” acumulava uma enigmática taciturnidade, uma estranho negrume, uma destruidora melancolia e uma desoladora inquietude. Eram trevas sobre trevas, escuridão atrás escuridão, sombras envoltas em sombras. Os homens não sabiam construir castelos de sonhos e fantasia, nem palácios encantados, ou sequer plantar uma árvore, saborear a doçura de um fruto ou descortinar o encanto duma flor. Desconheciam a sublimidade das madrugas incandescentes, ignoravam a loucura da sabedoria e a aventura de escrever um poema, mesmo que fosse em tabuinhas de cera. Refugiavam-se em recantos esconsos e obscuros, desprezavam o perfume dulcificado dos jardins floridos e não entendiam que o amanhecer é mais sublime com o canto dos pássaros e com os murmúrios das fontes. Foi então que Deus, na sua infinita plenitude, na sua omnipotência incomparável e na sua bondade transcendente cobriu a Terra de esperança enviando-lhe o seu anjo salvador, entregando-lhe sete bandeiras com que o anjo havia de salvá-la da estagnação em que estava imersa, da escuridão em que havia caído, do desbotamento deslavado de que se havia revestido e do silêncio enigmático e profundo em que jazia. Deus apiedou-se do homem, chamou o seu anjo e enviou-o ao Mundo, durante sete dias consecutivos, entregando-lhe em cada dia, uma bandeira com uma cor diferente: no primeiro dia a bandeira era de cor violeta, no segundo de cor anil, no terceiro azul, no quarto verde, no quinto amarela, no sexto alaranjada e no sétimo e último dia, vermelha.
E o anjo visitou a Terra, sete dias seguidos, desfazendo as trevas e as sombras que a rodeavam, enchendo-a de luz, de som e de sabores.
No primeiro dia, o anjo, empunhando a bandeira violeta, com ela tingiu os raios da madrugada, extingui as fogueiras dos vulcões primordiais, secou pântanos, desenhou rios e lagos e aspergiu a frescura das manhãs com o perfume dulcificado das violetas, salpicando-as com os suspiros dos cravos e o sabor das hortênsias. E a Terra recobriu-se com um manto inexaurível de encanto incandescente e com a sublimidade dos entardeceres tropicais.
No segundo dia a bandeira do anjo era de anil e o brilhar do Sol tornou-se mais suave e acolhedor, os lagos e os rios encheram-se água e das rochas, abrutas e pétreas, nasceram fontes e floresceram sonhos e encantos. A saudade plantou-se à beirinha do amor. O próprio oceano revestiu-se de perfume a maresia e nos céus desfilaram os primeiros bandos de pássaros.
E no dia seguinte, no terceiro, Deus deu ao anjo uma bandeira azul com a qual desofuscou todos os recantos mais esconsos da Terra, iluminou as cavernas mais escuras e as grutas mais tenebrosas e encheu o mundo de um brilho sublime, inebriante e adocicado. O mar revestiu-se de um azul cativante e encheu-se de peixes, de algas e de tesouros. As suas águas transformaram-se em ondas e encharcaram os rochedos com a força inebriante das marés. O céu adquiriu definitivamente a sua cor azulada e, à noite, cobriu-se de estrelas.
Na sua quarta vinda à Terra o anjo trouxe uma bandeira verde e com ela embebeu as plantas com um perfume adocicado, tingiu as ervas com um orvalho perfumado, revestiu as árvores com folhas e ramos exuberantes, abriu a Terra de par em par, fortalecendo-a com a frescura dos ares para que nela as sementes germinassem com vigor e serenidade. Com a bandeira verde, o anjo trouxe também a chuva e com ela lavou as pedras, cobriu-as de limos, encheu os lagos, tornou o curso dos rios mais rápidos e velozes e encheu os prados com manadas de bois e rebanhos de ovelhas.
No dia seguinte, o quinto, o anjo voltou à Terra segurando uma bandeira amarela e erguendo-a bem alto, pediu ao Sol raios de luz para colorir as manhãs, iluminar as montanhas, tingir o pôr-do-sol, alourar as espigas de trigo, colorir os girassóis e as giestas e iluminar as pedras preciosas. Ao mesmo tempo soltava sobre a Terra um vento suave e benfazejo, cobria as tardes com bandos de aves a esvoaçarem na direcção do horizonte.
No sexto dia a bandeira que o anjo transportava tinha uma cor alaranjada. Os campos cobriram-se de flores, as árvores encheram-se de frutos, as águas dos rios e dos lagos encheram-se de beleza e sublimidade e dos beirais das casas pendiam cachos de esperança a confundirem-se com as revoadas das montanhas. Os sinos repicavam o toque das Trindades e dos telhados dos casebres, à noitinha, evolava-se, juntamente com o fumo das lareiras, um cântico de saudade inebriante.
Finalmente, no sétimo e último dia, chegou o anjo com uma bandeira vermelha e avisou o mar, o céu, os rios, os lagos, as plantas as flores, enfim toda a criação de que aquela haveria de ser a cor do sangue dos mártires imolados como vítimas inocentes dos crimes violentos e cruéis da humanidade.
E o anjo nunca mais voltou à Terra. Apenas lhe assinalava de longe e agitando as bandeiras e misturando as suas sete cores, umas com as outras, em auréolas celestes, as juntava, em semicírculo sobre a Terra, formando o Arcos-Íris de Esperança.