Apaixonamento: a teoria de Stendhal
Existem várias teorias sobre o apaixonamento. Uma delas, que é muita aceita entre os pesquisadores desse fenômeno e que tem recebido respaldo de várias pesquisas científicas, é a de Stendhal. (Essa teoria foi apresentada no livro “Do Amor”, desse autor. Editora Martins Fontes – tradução do original em francês).
Vamos examinar aqui três dos requisitos que, segundo essa teoria, explicam o nascimento do amor: admiração, esperança e insegurança.
Admiração
Admirar significa reconhecer na outra pessoa qualidades que gostaríamos de ter. A importância da admiração para o nascimento do amor é facilmente reconhecida por quase todo mundo. Essa importância também é prevista pelas principais teorias que tratam desse fenômeno e também é coerente com os resultados dos estudos sobre a escolha de parceiros amorosos.
A maioria das pessoas deixa-se guiar, intuitivamente, pela admiração quando tenta conquistar e também quando se apaixona e escolhe um parceiro amoroso. As pessoas, quando querem conquistar um parceiro, fazem o possível para despertar a sua admiração. Por exemplo, elas capricham na auto-apresentação, exibem recursos e melhoram a aparência. Diversas pesquisas verificaram que os parceiros mais valorizados são aqueles que parecem mais inteligentes, que têm nível social, nível econômico e nível de escolaridade um pouco acima daqueles dos seus pretendentes e são saudáveis e bonitos. Ou seja, são pessoas admiráveis aos olhos desses pretendentes.
É realmente difícil imaginar que o amor possa nascer sem algum tipo de admiração. A admiração geralmente é suficiente para produzir uma espécie de fascínio que pode fazer o admirador ficar hipnotizado pela pessoa admirada e levá-lo a fazer coisas completamente fora do seu padrão de conduta. Isto acontece, por exemplo, com adolescentes quando estão na presença de artistas ou de cantores que admiram. Essa admiração faz com que eles entrem em uma espécie de delírio. Certas meninas, que na vida diária são recatadas e tímidas, se escondem nos armários e debaixo da cama dos seus ídolos e aceitam fazer sexo com eles. A admiração em relação a algumas qualidades também pode produzir certas aberrações perceptuais em relação a outros atributos da pessoa admirada. Por exemplo, um atleta que é excepcional no futebol, boxe ou no basquete também a adquire a propriedade de fascinar certas pessoas em outros setores, nada relacionados àqueles onde eles realmente possuem habilidades admiráveis, como a política e a religião.
Muitas teorias psicológicas sobre o amor reconhecem que a admiração é um dos requisitos do apaixonamento. Por exemplo, a Teoria da Expansão do Eu, apresentada por Elaine N. Aron e Arthur Aron1 , afirma que para acontecer o apaixonamento é necessário haver admiração. Segundo essa teoria, admirar significa reconhecer qualidades excepcionais na outra pessoa. Essa teoria também afirma que uma maneira de incorporar essas qualidades admiradas na outra pessoa seria associar-se amorosamente com ela. O relacionamento amoroso com essa pessoa seria uma maneira de integrar as qualidades admiradas ao eu do admirador, uma vez que os casais se vêm e são visto como uma unidade.
Esta teoria aponta, portanto, um caminho para a conquista: quando a associação amorosa com uma pessoa oferece possibilidades de crescimento psicológico e/ou ampliação dos horizontes pessoais, isto aumenta as probabilidades que a pessoa cujos horizontes serão expandidos se apaixone pela outra que pode expandi-los.
Esperança
“Só vou gostar de quem gosta de mim” (Canção interpretada, entre outros, por Caetano Veloso e Roberto Carlos. Composição de Rossini Pinto)
Esta teoria afirma que também é necessário haver esperança para que o apaixonamento aconteça: é necessário crer que é possível formar uma unidade amorosa com a outra pessoa.
A necessidade da presença da esperança de reciprocidade para que o amor possa nascer mostra como a natureza é sábia. Se bastasse a admiração para o nascimento do amor, este sentimento seria tremendamente disfuncional. Por exemplo, como em geral tendemos a admirar aquelas pessoas que tem um nível sócio-econômico mais alto do que o nosso, caso a admiração fosse suficiente para provocar o nascimento do amor quase todo mundo de um nível social estaria apaixonado pelas pessoas dos níveis sociais mais altos do que os delas. Isso não acontece porque não há esperança de reciprocidade desse sentimento e também porque não há esperança de que seja possível desenvolver um relacionamento duradouro e satisfatório entre pessoas que discrepem muito nesses setores.
A necessidade da esperança para o nascimento do amor também foi reconhecida pela teoria psicobiológica proposta por David Buss. Esse autor usou denominou os sinais que são apresentados por alguém que realmente está interessado em desenvolver um relacionamento duradouro com outra pessoa de "sinais que vai investir". São sinais que indicam que aquele que os exibem realmente está disposto a permanecer com a outra pessoa, a ajudá-la em diversos setores de sua vida e que gosta dela.
Muita pessoas, no entanto, não conseguem avaliar corretamente as chances do relacionamento dar certo e acabam se apaixonando unilateralmente por outras pessoas que não interessadas nelas. Um motivo para essa confusão é a facilidade para confundir sinais amistosos e sinais de cordialidade com sinais de interesse amoroso. Mesmo na ausência de quaisquer sinais objetivos de interesse amoroso, ainda assim certas pessoas podem fantasiar histórias segundo as quais seria possível aqueles que elas admiram se apaixonarem por elas e do relacionamento com essas pessoas darem certo. Este tipo de fantasia acontece muito entre adolescentes que se apaixonam por artistas que elas nunca viram pessoalmente. Por exemplo, uma adolescente que entrevistei imaginou que ia se tornar uma modelo famosa e, depois, uma artista de TV e, então, que contracenaria com o artista admirado e que ele se apaixonaria por ela. Essa história possibilitou o aparecimento de um grau de esperança que foi suficiente para que ela se apaixonasse pelo artista referido.
Insegurança
Segundo Stendhal, a insegurança é o catalisador do amor. Ou seja, uma certa dose de insegurança ajuda e apressa o nascimento do amor. Eu creio que esse princípio se aplica principalmente a aquelas pessoas que têm um amor do tipo Mania. (Esse estilo foi descrito em um capítulo do meu livro “Relacionamento Amoroso”, que trata dos tipos de amor)
A insegurança sobre algo importante geralmente amplia a nossa dose de atenção para o fenômeno. Por exemplo, a insegurança quanto ao resultado de um exame faz com que só pensemos nele. O nosso cérebro possui mecanismos que fazem que aquelas coisas que são conhecidas e estáveis saiam da nossa consciência. Fazendo uma analogia com os computadores, o nosso cérebro não tem memória RAM suficiente para manter tudo o que é importante na consciência. Assim sendo, aquilo que já está seguro e é bem conhecido, mesmo que seja importante, sai da nossa consciência para dar espaço para aquelas coisas mais instáveis ou inseguras e, assim, permitir que elas recebam a nossa atenção e providências.
Muita gente que quer conquistar o amor de outra pessoa aplica intuitivamente esse princípio da insegurança: tenta não deixar a pessoa que está tentando conquistar muito segura do seu grande interesse. Por exemplo, mesmo que esta muito interessado, o conquistador tenta não ficar ligando toda hora para a pessoa que está tentando conquistar para não "ficar babando nela” ou para “ não se entregar de bandeja para ela”.
A dose de insegurança, no entanto, não pode ser exagerada. Esse exagero faz com que a outra pessoa perca o mínimo de esperança de que vai ser correspondida no amor ou que poderia haver uma relação amorosa estável e prazerosa com o conquistador.
Uma boa dose de insegurança também pode ser produzida através da provocação do ciúme. O exagero no uso do ciúme para essa finalidade, no entanto, é contra-indicado porque para alguém se apaixonar também deve haver alguma esperança de fidelidade por parte do parceiro, uma vez que isso esse é um requisito para a existência da qualidade, da estabilidade e da durabilidade do relacionamento.
Método para desapaixonar
Invertendo essa teoria de Stendhal, acabei criando uma maneira de ajudar pessoas a se desapaixonem. Uso muito esse "método de desapaixonamento" no meu consultório. Esse método não produz nenhuma mágica, mas, pelo que vi até agora, ajuda bastante aqueles que estão sofrendo por amor (por exemplo, ajuda aqueles que não foram correspondidos, que deixaram de ser amados ou que foram traídos e, por isso, querem diminuir seus amores pelo infiel). Mas isso vai ser assunto de um outro artigo.
Para o amor nascer, portanto, é necessário admiração, esperança de reciprocidade. Uma certa dose de insegurança também pode contribuir para o seu nascimento.
Airton Amélio
1. ARON, E. N; ARON, A. Love and expansion of the self: the state of the model. Personal Relationships, New York: Cambridge University Press, v. 3, p. 45-58, 1996.
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 30/10/2010 às 02h01