Paulo Leminski (Curitiba, 24/08/1944 — Curitiba, 7/06/1989)
Escritor, poeta, tradutor, letrista, músico, professor, historiador, estudioso da cultura japonesa, falava 6 línguas além do português.
"Haja hoje para tanto ontem"
TEXTOS POÉTICOS DE LEMINSKI
Vim pelo caminho díficil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esquina,
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,
palavra, palavra minha.
--
acordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido.
--
A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não!
Este eu mesmo carrego!
--
isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
--
Abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri:
Antigamente eu era eterno.
--
cortinas de seda
o vento entra
sem pedir licença
--
Ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga
ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa
--
nuvens brancas
passam
em brancas nuvens
--
um bom poema leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
--
AMOR BASTANTE
quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante
--
BEM NO FUNDO
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
--
lá embaixo
vai ter
o que eu acho
--
Leite, leitura
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo,tudo,tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura
--
vazio agudo
ando meio
cheio de tudo
--
amar é um elo
entre o azul
e o amarelo
--
a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão
--
viver é super difícil
o mais fundo
está sempre na superfície
--
tudo dito,
nada feito,
fito e deito
--
jardim da minha amiga
todo mundo feliz
até a formiga
--
AMOR
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
--
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.
--
o mar o azul o sábado
liguei pro céu
mas dava sempre ocupado
--
ameixas
ame-as
ou deixe-as
--
outubro
no teto passos pássaros
gotas de chuva
--
soprando esse bambu
só tirou
o que lhe deu o vento
--
Fotos: Américo Vermelho
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 03/06/2010 às 19h32