SEI... (Kathleen Lessa)
"Sei..." , dizia ele com longa pausa, ou escrevia, como que a refletir sobre uma palavra, uma frase, trichando não só as letras mas a entonação que supunha haver na fala da amada, ponderando a chance de encontrar algum traço de delito, mentira, traição... Aquele sei era o sinal de que rapidamente ele já confabulara com seus botões e tinha uma hipótese, melhor dizendo, uma certeza, que só a ele pertencia.
Nesses momentos ela tentava adivinhar seus gestos: coçava a cabeça, olhos cabisbaixos? cruzava os braços e abaixava a fronte? esfregava a sola do pé direito na panturilha esquerda? Ou simplesmente cravava o olhar no infinito, ato introspectivo, e saía do mundo por alguns minutos?
De que desconfiava? E por quê?
O sofrimento prolongado é como um crime premeditado.
Como cortá-lo pela raiz?
Extirpar- as ervas daninhas que se imiscuem nos sentimentos?
Tormento.
Mas foi como ele decidiu.
Achou melhor antecipar a sangria, desvencilhar-se do amor, voltar ao seu ramerrão diário....
"Melhor deixar assim", dissera taciturno quando ela lhe tefonou.
"Profilaxia", fora o argumento.
"Desfaçamos logo esse equívoco".
Esperava que a inteligência dela deduzisse tudo, ou que entendesse o que bem quisesse. Não lhe importava mais sua pessoa.
Equívoco?!
E se calou o ontologista monístico. Para sempre.
Dor maior no peito da amada, a subjetivista.
Daquele dia ficou o mistério, o incompreensível. Para ela.
Restou o inconformismo. Nela. Para sempre.
E nele?
PÓLVORA NAS VEIAS
No timbre da tua voz
Antevi meu desespero:
Teus sinais de desamar
Acenderam o rastilho
Para o meu destempero.
Sem prumo,
Sem ouvidos que ouçam,
Sem boca que possa falar,
Cheia e à margem do mundo,
A raiva cortando-me os pulsos
(e o senso)
Submergi na dor.
Abortei-me.
(kml)
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 16/06/2009 às 08h31
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