foto: Franxxisco
Compreendo bem as palavras de Artur da Távola! Principalmente no que tange aos "rigores insuportáveis do Verão" e às palavras pertinentes a cada estação.
O Outono Chegando
Posto que te amo, Outono, faço-me irmão de tua luz de ouro e filho de tua serenidade. Amo-te a atmosfera translúcida e a paz que irradias por toda a natureza. Amo-te a ponderação diante das violências climáticas, amo teus ventos amenosos, que trazem segredantes histórias de outras vidas, outras terras e outros tempos; ventos suaves de convivência e sussurros dos céus. É ele quem conta as histórias aos escritores e sopra aos músicos a melodia de sua vida. No outono, Deus não grita.
Outono que me trazes palavras lindas à memória e que me dão vontade de passar o tempo a pronunciá-las: nenúfar, avoenga, terçã, calêndula, campânula, antanho, betume, canhenho, farândola, Guantanamera, Tegucigalpa, calmaria, feno, paina, flanar, vislumbre, pleonasmo, zeugma, persombra, marimbá, inconsútil, merencórea, tarlatana, ergástulo, tênue, eclampsia, dracena, lâmina, faina.
Pouco importa o que queiram dizer. Vale a sonoridade feita de suavidade e meigas junções de sílabas e sons. Já pensaram, doce leitora e fero leitor, alguém a me perguntar: “E aí, Távola, como está vendo a política?” E eu, garboso, mas humilde, liberto de formalidades a responder: “Nenúfar! Lâminas de tênue dracena plantei em Guantanamera.” Seria um delicioso espanto poético só permissível no outono. Ou tono ou tênue...
E a humanidade inteira se poria a descobrir as palavras do outono.
Elas soariam repletas de perdão e descoberta. Tornar-se-iam mágicas, libertas do sentido aprisionante do dicionário para a livre interpretação de quem as ouvisse, e se implantaria uma bacanal de liberdade semântica, semântica, aliás, também esta, uma palavra outonal.
Sim, as palavras são dependentes das estações: calafrio, instilar, pistilo, enregelado, gélido, eriçar, sialismo, estalactite, cicio, pirotecnia, suéter, agasalho, são palavras invernais. Caramba, senegalesco, intenso, forte, rubro, frescobol, ânsias, trovão, ribombar, infernal, transudar, esculhambar, mameluco, ferrenho, marimbondo, protuberância, melancia, bofe, cusparada, politizado, feroz, gargalhada, nudez são palavras de verão. Sacrilégio será pronunciá-las no outono. E as palavras primaveris? Estas ficam para outra crônica...
O outono é a estação do perdão, da compaixão, do amor que não arde porque se pacificou na certeza da própria existência, da confidência, das conversas fraternas e definitivas, em voz baixa, das mãos dadas, do beijo sem espanto, da carícia excitante no lugar do tesão danado, estação de paz na passagem voraz do ano.
Proclamo meu amor por ti, festa mitológica de Pomono e de Pomona, repleta de pomos, frutos benfazejos. Desejo-te o ano todo! Anseio por ti nos rigores insuportáveis do verão e nas depressões do inverno, ó outono que rápido passas pela beleza de teus dias e tardes bíblicas, célere como a juventude! Que derramas suavemente um sentimento de harmonia com a vida, e de doce tristeza por tuas despedidas, pelo passar dos anos, tristeza boa, sem dor, apenas um sentimento de estesia misteriosa como é o ato de viver.
(17-03-2005, Artur da Távola)
Publicado por KATHLEEN LESSA
em 27/03/2009 às 13h28